Opinião

Sistema impresso é retrocesso e permite que fraudadores preencham votos em branco

Pedro do Coutto

Encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados um projeto de lei que restabelece o sistema antigo de votação feito através de cédulas de papel e através de cédulas únicas para as disputas para a Presidência da República, governos dos estados, senadores, deputados estaduais e vereadores.

Trata-se de um retrocesso que infelizmente tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro, não sei por quais motivos, mas ele alega que há precedentes de fraudes como a que ocorreu, no seu ponto de vista, na apuração das disputas em 2018.

TESE DA FRAUDE – Embora vitorioso nas urnas por larga margem, Bolsonaro sustenta a tese da fraude. Acha, como parte de seus seguidores também, que venceria no primeiro turno alcançando mais de 50% dos votos úteis. Nada ficou comprovado e acredito mesmo que nenhuma investigação tenha sido feita por ser desnecessária.

Um amigo meu, Filipe Campello, de conhecimento profundo sobre as urnas eletrônicas e também a respeito dos logaritmos, além de especializado em Computação, me disse que no processo eletrônico de votos só existe uma possibilidade e mesmo assim mínima da fraude.

Como cada máquina receptora possui um pendrive, embora não esteja ligada a nenhum outro sistema, o caminho dos fraudadores encontra-se restrito a substituição dos pendrives. Mas isso implicaria numa engrenagem ainda mais complexa. Teriam que ser retirados do pendrive quantidades de votos e no mesmo espaço de sua usina serem injetados outros votos exatamente no limite matemático dos votos retirados. Como os leitores estão percebendo, a fraude por esse roteiro só poderia ser muito pequena e em sessões restritas a número diminutivos.

CÉDULAS EM ENVELOPES – A partir de 1945, quando Vargas já deposto, as eleições se realizaram a 2 de dezembro. Era o seguinte: os eleitores e eleitoras podiam colocar em envelopes as cédulas de seus candidatos que disputavam o Palácio do Catete, o Senado e a Câmara Federal.

As eleições para governador de Estado, deputados estaduais e vereadores só ocorreram em 1947. No Rio, então Distrito Federal, não houve eleição para deputados estaduais, só para vereadores. Os prefeitos eram nomeados pelo presidente da República.

O sistema de cédulas individuais foi usado nas eleições de 1950 e também no pleito de 1954. A partir de 1955, por pressão da UDN, e aceitação pelo PSB e pelo PTB, criou-se a cédula oficial. Nela, os eleitores assinalavam com um x ao lado do nome, o voto que desejassem marcar.

BRECHA  – Havia um espaço para o voto nulo e outro espaço, esse aberto, para o voto em branco. Eis aí uma passagem para o desfiladeiro político no rumo à fraude. Era simples: bastava a conivência de fiscais e alguém colocaria um x, tornando o voto branco em nominal.

Foi com essa perspectiva desonesta que o escândalo do Proconsult tentou transformar a derrota de Moreira Franco em vitória e a vitória de Brizola em derrota. Mas não conseguiram. A computação pela Proconsult baseava-se nas manifestações eleitorais nas áreas de classe média e rica, deixando para segundo plano os subúrbios do Rio e a Baixada Fluminense.

Com isso, Moreira Franco surgia na frente. Mas o Jornal do Brasil no qual eu trabalhava tinha instalado um sistema de acompanhamento das apurações com uma vantagem; eu havia acertado com Paulo Henrique Amorim, então redator chefe, e com Ronald de Carvalho, editor, a divisão por áreas eleitorais. Isso porque para se poder analisar eleições e computação tem que se definir a projeção algébrica dos votos.

VOTOS DO SUBÚRBIO – Por exemplo, na Cidade do Rio de Janeiro, os votos do subúrbio e da Zona Oeste eram mais numerosos que os votos do Leblon, de Ipanema, de São Conrado, da Tijuca e do Grajaú. Em Copacabana, como os eleitores já estariam se perguntando, a vantagem da classe média era pequena sobre as de menor renda. Isso porque Copacabana estava repleta de apartamentos conjugados e de apartamentos com número médio de moradores acima da média das casas de renda mais alta.

Existe um bairro no Rio, que focalizo no meu livro “O voto e o povo”, era o termômetro da cidade. Por que isso? Simplesmente porque o Méier em um dos seus lados é um bairro de predominância de classe média, mas o outro tem o perfil característico de subúrbio. Esta explicação é fundamental.

PRESSÃO – Em 1982, de repente, a pressão aumentou, sentiu-se no ar. Se a fraude prevalecesse, teria que ser feita na sexta-feira, dia em que a hipótese foi colocada por mim; Paulo Henrique Amorim e Ronald de Carvalho. A conclusão foi uma só: a única possibilidade de fraude era preencher os votos em branco que estavam à disposição dos ladrões. Se não houvesse tal prática imunda o resultado real seria respeitado.

Como aliás aconteceu. Na edição de domingo,o JB publicou matéria minha na primeira página: ““Brizola consolida vitória pela margem de 126 mil votos”. Deixo o episódio para aqueles que o incorporarem na memória ou então colocarem na história moderna do país.