Opinião

Bolsonaro isola o Brasil do resto mundo, mas é contra o isolamento para conter a Covid-19

Pedro do Coutto

O repórter Daniel Gullino, O Globo de segunda-feira, focaliza mais uma crítica a políticas de distanciamento social feitas pelo presidente Jair Bolsonaro que, em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada, disse que “tem alguns idiotas que até hoje ficam em casa”, acentuando que esses deixariam de trabalhar, prejudicando a economia nacional.

Agindo assim, Bolsonaro isola o Brasil da comunidade internacional e da esfera científica que vem sustentando comprovadamente que os instrumentos para combater a Covid-19 são a vacinação, o distanciamento social e o uso da máscara. Esse novo pronunciamento, como os fatos atestam, é um verdadeiro desastre, um desafio ao conhecimento científico e à prática da medicina no país. Um absurdo que só tem paralelo nas afirmações que o ex-chanceler Ernesto Araújo fez ontem na CPI da Pandemia, no Senado.

SILÊNCIO – O ex-ministro das Relações Exteriores não conseguiu traduzir em termos diretos a sua posição em relação à Coronavac, vacina chinesa contra o coronavírus. Pelo contrário, por ação tácita que culminou com o silêncio, colocou-se ao lado do presidente da República que fez clara insinuação de que a China teria criado em laboratório um vírus para se destacar no processo econômico mundial.

Araújo também não soube explicar a razão da demora de atendimento ao gravíssimo problema da falta de oxigênio na tragédia de Manaus. Enquanto Bolsonaro desenvolve um combate contra o distanciamento social e, ao mesmo tempo, defende insistentemente a cloroquina, reportagem de Aline Mazzo, Folha de São Paulo, revela que o nível de isolamento dos brasileiros é o mais baixo desde o início das restrições impostas para conter a disseminação do coronavírus.

No momento, apenas 30% dos brasileiros, de acordo com pesquisa do Datafolha permanecem em casa, o que representa um decréscimo da disposição assinalada no mês de abril de 2020, quando 72% respeitaram a medida para evitar contaminações.

EXEMPLO NEGATIVO – Os 30% verificados pelo Datafolha são relativos a abril deste ano e a comparação destaca que o exemplo negativo de Bolsonaro está causando uma situação de calamidade, até porque a esfera científica, no caso do Brasil, prevê a possibilidade de uma terceira onda decorrente da falta de observação de cuidados básicos que são essenciais.

Inclusive, um grupo de especialistas, de acordo com reportagem de Paula Felix, o Estado de São Paulo, divulgou documento contra indicando a cloroquina para o combate à pandemia que desafia uma solução. No grupo, figuram técnicos nacionais e internacionais. No caso nacional, com a participação de médicos do Ministério da Saúde.

“IDIOTAS” –  Bolsonaro, quando chamou de “idiotas” os que ficam em casa, disse que defendia as atividades econômicas porque não tem sentido ficar em casa e não produzir. O setor de agronegócio, continuou o presidente, não parou, acrescentando que se os trabalhadores do campo tivessem ficado em casa haveria mortes causadas por fome e muita gente tem gorda aposentadoria e não se importa com a atividade econômica.

Bolsonaro criticou governadores e prefeitos que terminam reduzindo a circulação de pessoas, inclusive nos piores momentos da pandemia. Esta afirmação parece um sintoma de desorientação do chefe do Executivo, segundo o qual há dispositivo constitucional que assegura a todos o direito de ir e vir e se movimentar, direito que não pode ser tolhido.

Daniel Gullino lembra que no início da pandemia, no mês de março de 2020, ocorreram 4211 mortes e que esse número foi se multiplicando de forma avassaladora nos meses seguintes, totalizando agora em maio mais de 430 mil casos.

“ATÉ QUANDO?” – O presidente da República indagou ainda : “até quando vão ficar (os idiotas)  dentro de casa enquanto as autoridades fecham lojas, bares e restaurantes ? Lamentamos as mortes, mas tem que haver uma solução. Tudo tem que ter um responsável”.

Como se constata, Jair Bolsonaro, na minha opinião, revela francamente não entender nem o próprio governo e muito menos a realidade brasileira.