Opinião

A verdadeira História da República no Brasil, que jamais será ensinada às novas gerações

Por Celso Serra

 

A proclamação da República precisa ser ensinada às novas gerações de uma forma veraz, sem romantismos e ficções históricas. O personagem principal foi  D. Pedro II. Diabético, com 64 anos de idade, naquele tempo era um idoso que sobressaía como um perfeito democrata. Lutava contra a escravidão e mantinha a iimprensa era totalmente livre, inclusive para escrever contra ele e a monarquia.

Um erudito, falava 23 idiomas e escrevia em português, latim, francês, alemão, inglês, italiano, espanhol, grego, árabe, hebraico, sânscrito, chinês, provençal e tupi.

Grande incentivador do conhecimento, da cultura e das ciências. Respeitado e admirado por estudiosos como Graham Bell, Charles Darwin, Victor Hugo, Friedrich Nietzsche,  Louis Pasteur, Camilo Castelo Branco e outros.  Nenhum chefe de Estado no Brasil possuiu a metade da cultura de D. Pedro II.

MARECHAL E VISCONDE – O segundo personagem foi Deodoro da Fonseca, que em 1989 tinha 62 anos. Militar de carreira e combate. Herói da Guerra do Paraguai. Ainda possuía grande poder de comando no Exército brasileiro. Idoso, doente, por vezes, sem condições plenas de raciocínio.

Outro personagem de destaque foi o visconde de Ouro Preto, que em 1989 tinha 53 anos.  Professor de Direito, deputado e senador por Minas Gerais, ministro da Marinha e da Fazenda. Presidia o Conselho de Ministros do Império. Pessoa de precário humor, vivia em constante conflito com o Exército brasileiro.

Os demais personagens formavam um pequeno grupo de golpistas republicanos autodidatas, com intensa atuação dos militares, o tenente-coronel Benjamin Constant, o major Solon Ribeiro, o tenente Mena Barreto e alguns civis, dentre estes, os jornalistas Aristides Lobo, Quintino Bocaiuva e o jornalista e advogado Ruy Barbosa.

DEODORO ERA MONARQUISTA – Os republicanos tinham muita mobilidade e conversa, mas nenhum poder de comando. Por isso, tentavam envolver Deodoro da Fonseca ,  que se recusava a participar de qualquer ato objetivando a deposição de D. Pedro II e o máximo que toleraria seria a substituição do primeiro-ministro Ouro Preto.

E o povo estava satisfeito com o Império, o imperador e sua família. Não queria a mudança de regime. Prova disso é que na eleição de 1884, ganharam mandatos na Câmara dos Deputados apenas três republicanos. Na seguinte, apenas um foi eleito. E na eleição realizada três meses antes do golpe, em agosto de 1889, o Partido Republicano só elegeu dois deputados (1,6% do total, menos de 2%).

A OPÇÃO PELO GOLPE – Esses resultados eleitorais fizeram os teóricos republicanos crer que jamais chegariam ao poder pelo voto do povo. Optaram pelo golpe militar. E estavam dispostos a “fazer o diabo”. Todo e qualquer ato, por mais imoral que fosse, seria consumado para atingir o objetivo.

Os neófitos republicanos passaram a ação com torrencial sucessão de mentiras propagadas verbalmente e por meio da imprensa. Hoje, na nossa república, as mentiras seriam chamadas pelo anglicismo “fake news” e poderiam até ser apuradas em processo no STF.

ATÉ RUY MENTIU –  Cumprindo sua parte no golpe, Rui Barbosa no dia 9 de novembro de 1989 publica no “Diário de Notícias”  artigo intitulado “Plano Contra a Pátria”, no qual insinuava que o governo estava prestes a dissolver o Exército.  Era mentira.

No mesmo dia, dando sequência a notícia falsa plantada por Ruy Barbosa, o tenente-cooronel Benjamin Constant realiza, sob sua presidência, uma reunião no Clube Militar, para falar “dos maus intuitos de Ouro Preto com relação ao Exército”. A reunião foi um verdadeiro teatro de patranhas e discursos agressivos.

Dois dias depois, 11 de novembo, Benjamin Constant, Aristides Lobo, Rui Barbosa e Quintino Bocaiuva vão à casa de Deodoro da Fonseca, que se encontrava adoentado, para tentar envolvê-lo no golpe. Repetem nos ouvidos do marechal a mentira da “intenção” de Ouro Preto de extinguir o Exército. Dizem que os oficiais querem fazer a revolução, mas falta o comandante. Deodoro se recusa a tomar atitude contra D. Pedro II.  O grupo de golpistas republicanos sai da reunião desapontado mas continua a agir, a contagiar mais militares.

MAIS FAKE NEWS –  Três dias depois, dia 14, as tropas sediadas no bairro de São Cristóvão já estão sob tensão. Benjamin Constant agita o Clube Militar e o Clube Naval. Chega a hora de alastrar as mentiras. Cada golpista tem que cumprir sua parte. Todos.

Nesse mesmo dia, parte da tarde, o major Solon Ribeiro atua na trama: invade as redações dos jornais trombeteando a notícia falsa de ter sido decretada a prisão de Deodoro da Fonseca e Benjamin Constant.

De noite essa notícia falsa chega ao conhecimento do visconde de Ouro Preto, que convoca os membros do gabinete para uma reunião de emergência no prédio do Ministério da Guerra, vizinho ao campo de Santana, onde já havia tropas e alguns canhões. Sentindo a gravidade da situação Ouro Preto telegrafa ao imperador pedindo sua presença no Rio de Janeiro.

FALTAVA O COMANDANTE – Os golpistas ainda não tinham um comandante de prestígio para forçar a demissão de Ouro Preto. Já tinham tentado Deodoro da Fonseca, sem êxito.  Inclusive, em uma das vezes que foram incomodar o marechal adoentado, tinham sido expulsos da casa pela esposa dele, “armada” com uma vassoura.

Os golpistas  propagadores das patranhas  então resolvem ir, mais uma vez, à casa de Deodoro. O marechal está com forte crise respiratória e febre alta. Mentem para Deodoro que era iminente a dissolução do Exército por Ouro Preto.  O marechal, enfermo e sem perfeitas condições de raciocínio, acredita na mentira.

Deodoro, cambaleante, veste a farda, mas não consegue montar no cavalo. É colocado em uma carruagem, levado para junto dos demais rebelados, assume o comando e dirige a tropa para o prédio do Comando Militar.  A tropa é posicionada em frente ao prédio.

UM DOENTE A CAVALO – O marechal doente e febril é colocado em cima de um cavalo baio (dócil) e ele, à frente da tropa, ruma lentamente para o prédio do Comando Militar e exige que abram os portões. Oficiais e praças gritam “Viva Deodoro, viva Deodoro!”.  Deodoro tira o quepe, agita-o e, com esforço, grita: “Viva o imperador, viva o imperador, viva o imperador!”.

Deodoro entra no prédio e vai ao local onde está o ministério reunido. De pé e ardendo em febre discute asperamente com Ouro Preto, depõe todo o ministério,  dá voz de prisão a Ouro Preto e ao ministro da Justiça, Cândido de Oliveira. E diz que nomes serão levados ao imperador para a formação de um novo ministério. Era o fim apenas do Gabinete Ouro Preto.

Junto com Deodoro estavam Quintino Bocaiúva, Benjamin Constant, Aristides Lobo e outros gatos pingados teóricos republicanos. Benjamin Constant, oportunista, ciente de que o imperador não se encontrava no Rio de Janeiro, sente que é o momento de tentar o golpe contra o regime para implantar a República.

FAKE NEWS DE PATROCÍNIO  –  Na sala, mentiras inundam os ouvidos do enfermo Deodoro naqueles minutos em que se decidia o futuro do Brasil.  José do Patrocínio penetra na sala e diz que o povo, representado por enorme número de pessoas, estava lá fora, cercando o prédio e exigindo a proclamação da República. Patranha deslavada, intencional e consciente.  Não havia ninguém nas ruas. Era alta madrugada. As ruas estavam desertas.  O povo dormia e nada sabia do que estava acontecendo.

Benjamin Constant tenta convencer Deodoro a dar o golpe republicano. Embora febril e sem condições de raciocínio, Deodoro diz que não tomaria essa atitude.  Benjamin resolve então plantar outra notícia falsa nos ouvidos do marechal, dessa vez, atingindo seu amor próprio como homem, a de que Silveira Martins seria nomeado primeiro-ministro pelo imperador.

POR CAUSA DA BARONESA – Silveira Martins era figadal inimigo de Deodoro e essa mentira foi pregada para atingir, além do lado militar do marechal também seu lado afetivo, pois Benjamin Constant sabia que Silveira Marins e Deodoro eram inimigos por haverem disputado, no Rio Grande do Sul, os afetos de uma mulher, Maria Adelaide Meirelles, a baronesa de Triunfo. E Deodoro sido derrotado nessa batalha amorosa. Benjamin conseguiu abalar Deodoro.

A precária situação de saúde do marechal,  atormentado pela febre, foi dolosamente aproveitada pelos golpistas republicanos que o cercavam e que repetiam as palavras de Benjamin Constant nos seus ouvidos:

“Marechal, se a República for proclamada, terá que ser governada por um ditador. E esse ditador é o senhor.”  Deodoro não percebeu que a proposta dos golpistas era substituir um imperador democrata por um ditador.

INUSITADA PROCLAMAÇÃO –  Já era alta madrugada do dia 15. Exausto pela enxurrada de fake news a que fora submetido  – inclusive a patranha de José do Patrocínio do “povo nas ruas” apoiando a proclamação da República quando as ruas estavam desertas, Deodoro admitiu a República e foi para casa dormir. Dizem que ao acordar, Deodoro caiu na realidade e tentou voltar atrás. Foi convencido por Benjamin Constant de que seu ato era irrevogável.

José do Patrocínio foi correndo festejar a extinção da monarquia em reunião do Conselho Municipal do Rio de Janeiro. Estranha essa faceta do caráter de José do Patrocínio pois menos de dois anos atrás, em 13 de maio de 1888, havia se ajoelhado e beijado a mão da princesa Isabel após a assinatura da Lei Áurea, que extinguia a escravidão no Brasil. Agora, agia para expulsar imediatamente do Brasil a princesa Isabel, a quem tinha beijado a mão e toda a sua família.

O POVO  – No mesmo dia, mais tarde, foi colocada uma banda de música e tocando e passeando pelo centro da cidade.  O povo nada entendia, mas estava montado o circo.  Aristides Lobo assim registrou o momento:

“O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada”.  Para evitar uma revolta, a população – que apoiava a monarquia e o imperador –  foi colocada à margem do que acontecia; só tomou conhecimento dos fatos após consumados, com a família imperial já colocada em um navio e levada para alto mar, rumo a Europa.

DECRETO FAKE NEWS –  No primeiro ato do novo regime –  Decreto nº 1 de 15 de novembro de 1889 – estava escrito que a República tinha sido proclamada provisoriamente e que se aguardaria “o pronunciamento definitivo da Nação, livremente expressado pelo sufrágio popular”,  ou seja que seria realizado um plebiscito em curto espaço de tempo.  Era mentira.

O plebiscito só seria realizado quatro gerações mais tarde, após decorridos 104 anos, em 1993, quando não haviam mais sobreviventes do regime monárquico no Brasil.

Os fatos mostram que as colunas de sustentação da república no Brasil não foram a liberdade, a igualdade e a fraternidade e, sim, a mentira, o golpismo e a traição ao regime monárquico constitucional e ao Chefe de Estado mais culto, democrático e honesto que o país já teve. Por isso, não havia o menor risco de dar certo.

LONGE DO POVO – Aos trancos e barrancos, chegamos aos 131 anos de suposto regime republicano, com uma capital construída com recursos suspeitos e até hoje não apurados, longe do povo, na qual  – segundo a mídia –  os Poderes apodreceram e predomina a corrupção com a garantia de impunidade para os maiores, mais eficientes e bem relacionados ladrões do dinheiro público. “Evoluímos” de um chefe de Estado honesto que falava 23 idiomas para chefes de Estado desonestos que nem o português falam corretamente.

E assim vai navegando a piroga tabajara, com seu casco avariado e fazendo água …

(Advogado e economista, Celso Serra é membro titular da Academia Maçônica de Artes, Ciências e Letras do Rio de Janeiro)