Tenho admiração e respeito pelo general Hamilton Mourão desde o dia em que o conheci, em Brasília, quando era responsável pelas Finanças do Exército. Estávamos no governo Dilma, ainda não se falava em impeachment e o general fez uma palestra demolidora num evento no Clube Naval, criticando a incompetência do governo federal e a falta de planejamento dos sucessivos governos.
Ao final de sua participação, ele saiu para fumar um cigarro no belíssimo deque do Clube, à beira do Lago Paranoá, e eu o acompanhei. Identifiquei-me como jornalista, disse ter ficado surpreso com as duras condenações ao governo e perguntei se poderia escrever uma reportagem a respeito, porque ele poderia ser punido, pois oficial da ativa não pode se pronunciar sobre política.
DISSE O GENERAL – “Pode escrever à vontade. O que realmente penso vai muito além do falei há pouco. É muito triste a situação em que o país está”, disse ele, mas não escrevi a matéria, por saber que ele seria punido.
Em 2017, já no governo Temer, o general Mourão virou manchete da mídia. Integrante da Maçonaria, ao ser convidado a fazer palestra numa das sedes de Brasília, ao invés de usar o terno preto dos maçons preferiu o uniforme de general, com todas as condecorações. Sua fala teve enorme repercussão e ele foi acusado de defender uma intervenção militar para solucionar a crise, embora tenha falado de forma hipotética, ao responder a uma pergunta de um participante.
O resultado foi imediato. Mourão passou para a reserva, elegeu-se presidente do Clube Militar e depois acabou vice de Bolsonaro.
MUITAS DIVERGÊNCIAS – Desde sempre, ficaram claras as divergências entre Mourão e Bolsonaro, que no início do governo colocou o vice no freezer e o proibiu de dar declarações e receber embaixadores. Além disso, impediu que o vice assumisse a Presidência nos seus afastamentos.
Quando fez a terceira cirurgia do abdômen, ficou 17 dias no hospital, mas Mourão só assumiu por 48 horas. O país passou 15 dias sem presidente e ninguém notou a diferença.
Quando cresceu a campanha internacional pela Amazônia, Bolsonaro resolveu passar o pepino a Mourão, sabendo que ele ia se desgastar. Mas o general fez um acordo com o então ministro Sérgio Moro, que colocou a Guarda Nacional na defesa ambiental, e parecia que ia levar adiante a missão.
A MOSCA AZUL – Embora seja incomparavelmente melhor governante do que Bolsonaro, o general Mourão também tem lá os seus defeitos. Depois que Bolsonaro espalhou que poderia escolher outro vice para 2020, Mourão foi mordido pela mosca azul e começou a agir de forma a agradar Bolsonaro. Na semana passada, confessou “estar trabalhando” para continuar vice.
O resultado desse “trabalho” é catastrófico. Na terça-feira (dia 15), Mourão disse que “alguém” no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) faz “oposição” ao governo e prioriza a divulgação de dados negativos sobre queimadas.
Foi desmentido imediatamente pelo Jornal Nacional, admitiu desconhecer que os dados de queimadas são públicos, qualquer um pode acessar o site. Incomodado com a mancada, no dia seguinte visitou o Inpe e pediu uma “análise qualitativa” da situação.
FOCOS DE QUEIMADA – No sábado, dia 19. Mourão publicou um artigo dizendo que “as imagens acusam todos os focos de calor, o que não significa incêndio, pois qualquer área com temperatura acima de 47º – uma fogueira por exemplo – é assim identificada“. Essa seria a justificativa usada para pedir ao Inpe uma “análise qualitativa”, que o instituto já faz e está no seu site.
Alegar que o Inpe confunde uma fogueira com uma queimada é uma leviandade inaceitável para um homem com o currículo de Hamilton Mourão, que deveria demitir o “ghost-writer” que escreveu o artigo.
FISCALIZAR E PUNIR – Ainda há tempo. Ao invés de defender o indefensável (as teses de Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles), melhor faria Mourão se pressionasse os governos dos Estados da Amazônia para que concluam o Cadastro Agrícola Rural, listando todas as respectivas propriedades. De posse dessas informações, basta colocar a máquina estatal para fiscalizar, multar e prender os infratores.
As leis já existem, a punição é dura, as multas são altas – desmatar a Amazônia passará a ser um péssimo negócio, se o governo atuar na repressão, ao invés de jogar conversa fora.