Judiciário

Afinal, o que muda com a restrição do foro privilegiado votado pelo STF?

O Supremo Tribunal Federal (STF) bateu o martelo e decidiu restringir o foro privilegiado de senadores e deputados federais. Agora, o entendimento é de que o privilégio permanece apenas para crimes cometidos por parlamentares no exercício do mandato e que tenham relação com a atividade legislativa. Durante a sessão plenária de ontem, dois ministros pediram que a restrição fosse ampliada para outras autoridades, mas não houve adesão da maioria.

Foi a quinta sessão do Supremo sobre o assunto. O julgamento acabou interrompido duas vezes no ano passado, pelos pedidos de vista dos ministros Alexandre de Moraes e, em seguida, Dias Toffoli. Antes, qualquer crime praticado por parlamentares, mesmo que ocorresse antes de ser eleito, e mesmo aqueles considerados “comuns”, deveria ser analisado pelo Supremo. Assim, em uma situação hipotética, se um deputado fosse acusado de abuso sexual — mesmo que antes do mandato —, deveria ser julgado pela Suprema Corte. Agora, o entendimento é para apenas casos relacionados à atividade parlamentar e durante o mandato.

A mudança também afeta a tramitação. Se um congressista não conseguir um novo mandato, o processo no qual ele é acusado também será transferido para a primeira instância. A não ser que o julgamento já esteja em fase final e tenha passado da fase de instrução (quando são feitas diligências). A decisão desafogará parte dos processos dentro do Supremo, mas, da forma como foi julgado, atingirá 81 senadores e 513 deputados federais, que equivalem a 1% dos detentores do foro especial. Ao todo, são 54 mil autoridades que detêm a prerrogativa de função, segundo dados da Consultoria Legislativa do Senado.

Todos os ministros votaram a favor da restrição do foro, porém o plenário divergiu entre o entendimento do ministro Luís Roberto Barroso, que venceu, e os  de Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Para Moraes, deveria haver a restrição do benefício para processos apenas durante o mandato, mas a prerrogativa deveria valer para qualquer crime, independentemente de estar relacionado à atividade legislativa ou não. Já Toffoli seguiu Moraes na quarta-feira, mas abriu uma nova divergência. Ele defendeu que a Corte deveria ir “além dos congressistas” e restringir o foro para todas as autoridades. “Temos que, de acordo com o princípio da isonomia, aplicar essa interpretação a todos”, argumentou. No entanto, não houve adesão da maioria.

O ministro Gilmar Mendes, último a votar, acompanhou o entendimento do ministro Dias Toffoli. “Entendo que o mesmo critério que se adota para deputados e senadores, há de ser aplicado também, como diz o ministro Toffoli, em relação aos demais ocupantes de funções. Juízes, promotores, comandantes do Exército, Aeronáutica, Marinha e integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU)”, avaliou. Gilmar Mendes também criticou o assunto dentro da Corte, ao afirmar que o fim da prerrogativa de função não era a solução. “Como ficariam as medidas investigatórias? Um juiz de primeira instância poderia quebrar o sigilo de qualquer um? Os juízes do Brasil poderiam determinar busca e apreensão no Palácio do Planalto?”, questionou.

Resposta rápida

A decisão do Supremo repercutiu no Congresso. Logo após a decisão do STF, o líder do PSDB na Câmara, Nilson Leitão, afirmou, em nota, que a decisão da Suprema Corte é um “passo importante na direção do que a sociedade deseja”. No entanto, segundo Leitão, é preciso avançar ainda mais — já que apenas 594 são atingidos. “Essa discussão poderá ser feita na comissão especial que será instalada na Câmara dos Deputados na semana que vem para apreciar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) sobre o tema”, disse. A comissão terá os nomes indicados pelos partidos na próxima quarta-feira.

Na prática, a Câmara pretende dar uma resposta ao Supremo, já que a PEC que tramita desde o ano passado não chegou a ser discutida. Isso porque a decisão desagradou a parte dos parlamentares, por serem os únicos atingidos. No Congresso, o projeto que trata sobre o assunto está parado desde que chegou à Câmara. O problema é que, com a intervenção do Rio de Janeiro, nenhuma emenda à Constituição pode ser feita. O Senado aprovou, no ano passado, a PEC 10/2011, que faz valer o privilégio apenas aos chefes dos Três Poderes.

 

O líder do DEM, Rodrigo Garcia, se posicionou ontem após o resultado do julgamento. “A decisão tomada hoje pelo Supremo, de restrição do foro privilegiado, causa muita insegurança jurídica. Defendo que a Câmara se debruce sobre o tema, convide especialistas e, por meio de uma emenda constitucional, possa restringir o foro privilegiado para várias autoridades públicas do Brasil”, afirmou.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, disse que o resultado é um “passo concreto contra a impunidade” e que o foro contribuía para a “morosidade”. “A decisão de hoje do STF é muito importante. Ainda é preciso, no entanto, perseguir a eliminação dos outros privilégios que continuam em desacordo com os valores republicanos”, afirmou.

Tira-dúvidas

Entenda o que mudou com a votação do Supremo Tribunal Federal (STF)

1. O que é o foro privilegiado?

É o benefício que algumas autoridades têm de serem julgadas em instância superior. Segundo a Constituição Federal, os processos contra o presidente e vice-presidente da República, parlamentares federais, ministros e comandantes militares devem ser analisados pelo STF. No caso de governadores, eles são julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Prefeitos, juízes de primeiro grau e integrantes do Ministério Público devem ir para o Tribunal Regional Federal. Já nos Tribunais de Justiça, são analisados os processos contra deputados estaduais.

2. Como funcionava antes? 

Todos os crimes praticados por parlamentares, que ocorressem antes ou durante o mandato, eram analisados pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo aqueles que não tivessem relação com o cargo e fossem considerados “crimes comuns”. Por exemplo, se um político praticasse um crime de violência doméstica e se elegesse antes de ser julgado na primeira instância, o processo iria para a Suprema Corte.

3. E como será agora?

O Supremo decidiu que crimes cometidos antes do mandato ou que não tenham relação com a atividade legislativa devem ir para a primeira instância. Ou seja, mesmo que um deputado seja acusado de, na mesma situação hipotética anterior, ter cometido violência doméstica durante o mandato, o processo deve ir para o estado de origem do político e ser julgado na Justiça comum. Se ele praticou o crime antes de ser eleito, o processo também não vai para o STF.

4. E se o processo já estiver em fase final no Supremo ou político não conseguir um novo mandato?

Se a denúncia já tiver passado da fase de instrução (quando as diligências são realizadas), o processo deve continuar na Suprema Corte, mesmo que o político não tenha sido reeleito.

5. A decisão do Supremo vai acabar com o foro privilegiado?

Não. Apenas restringe para crimes que forem cometidos durante o mandato de um político e que tenham relação com a atividade parlamentar.

6. Todos serão atingidos?

Não. O Supremo decidiu que apenas congressistas, ou seja, deputados federais e senadores, devem ter a restrição. A estimativa é que existam 55 mil autoridades com a prerrogativa de função. No entanto, apenas 594 parlamentares (513 deputados e 81 senadores) são atingidos pelo novo entendimento do STF.

7. Há alguma proposta que acaba com o foro privilegiado para outras autoridades?

Atualmente, tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados uma PEC que restringe o foro apenas a chefes do Executivo, Legislativo e Judiciário. O texto foi aprovado pelo Senado no ano passado, mas agora está estagnado no Congresso, já que, com a intervenção no Rio de Janeiro, é proibido votar em plenário emendas à Constituição.