Eleições

Após ‘surra de saias’ conservadora, RN tem chance de eleger uma petista

Terreno fértil para oligarquias, o Rio Grande do Norte é também o único estado brasileiro em que uma mulher do campo progressista lidera a corrida eleitoral para o executivo. O favoritismo da senadora Fátima Bezerra (PT) – com 34% das intenções de voto segundo o último levantamento do Ibope –  contrasta com a tradição local liderada pelo ex-prefeito de Natal, Carlos Eduardo Alves (PDT) – com 15% – e pelo atual governador Robinson Faria (PSD), que tenta permanecer no cargo mesmo sendo um dos gestores mais mal avaliados do Brasil devido ao atraso de salários dos servidores e do aumento recorde da criminalidade.

A expectativa de reeditar as famosas “surra de saias”, termo nascido das repetidas vitórias de mulheres na esfera estadual teria a novidade da chegada ao poder de uma candidatura de esquerda, diferentemente da eleição da conservadora Rosalba Ciarilini (DEM), em 2010, e dos triunfos da governadora Wilma de Farias, considerada uma política de centro, em 2002 e 2006.

A contestação feminina sempre esteve na vanguarda no solo potiguar desde a conquista da mossoroense Celina Guimarães, a primeira mulher com direito a votar no Brasil, e do feito de Alzira Soriano, a primeira prefeita eleita da América Latina em 1929 no município de Lages, localizado na parte norte ou no “lombo do elefante”, conforme os potiguares falam sobre o desenho de seu mapa.

“Temos uma larga trajetória de luta, mas vivemos em um estado extremamente violento com as mulheres. Tivemos o maior aumento nacional da violência e dentro desse contexto as mulheres negras ocupam o topo entre as vítimas. Lutamos por uma presença feminina na política, mas não adianta achar que somente a representatividade resolverá os problemas. Essa representação deve servir para a nossa luta, somos uma campanha feminista que defende a liberdade de Lula até as últimas consequências”, destaca a militante Rayane Andrade, de Mossoró, segunda maior cidade do RN que acumulou seis governos consecutivos de mulheres e atualmente é administrada por Rosalba, do poderoso clã Rosado.

Para superar o peso do sobrenome ou do “filhotismo”, na interpretação dos críticos, a associação ao legado de Lula está na linha de frente da campanha de Fátima. Formada em Pedagogia e entusiasta de Paulo Freire, a parlamentar atuou na revolução educacional com a expansão da Universidade Federal Rural do Semiárido, inaugurada pelo ex-presidente. A escola, que contava com dois cursos, passou a oferecer 42 graduações a quase dez mil estudantes de diversos lugares, especialmente do Nordeste.

“Tínhamos somente dois Institutos Federais e a rede começou a se expandir por todas as regiões do estado, projeto que teve a intensa participação de Fátima e do então ministro da educação, Fernando Haddad. Cada campi retrata a realidade da economia local para permitir educação de qualidade e a chance da pessoa permanecer na sua terra, isso ocorre com o curso de agroecologia em Vale do Assú, a mineração em Parelhas, o polo têxtil em Caicó e a pesca na Costa Branca”, complementa Germano Neto, sociólogo.

A chegada de profissionais da saúde através do programa Mais Médicos, durante a gestão da ex-presidenta Dilma Rousseff, também trouxe impacto positivo a milhões de cidadãos no Brasil que  nunca haviam recebido atenção básica, incluindo áreas do interior do RN.

O documentário “Vem de Cuba” retrata a relação entre os estrangeiros e a população na pequena São Miguel do Gostoso, a cem quilômetros de Natal, abordando o exitoso entrosamento entre as comunidades e os profissionais e as dificuldades encontradas .

O bom desempenho de projetos federais soma-se ao resultado de outras administrações petistas no nordeste, a exemplo do Ceará, Bahia e Piauí, onde os atuais governadores também aparecem à frente nas pesquisas, para buscar o convencimento dos eleitores. A referência a esses modelos inclusive fez com que o programa da petista fosse acusado de copiar as propostas de seus companheiros de partido sem adaptá-las à realidade potiguar.

Além disso, conforme ocorreu em outros tempos da história, em momentos de revolta a tendência do eleitorado é de rechaço às famílias tradicionais e aos acordões políticos. Nesse sentido, a reduzida coligação de Fátima junto somente ao PCdoB e ao PHS pode ser uma vantagem em comparação às largas alianças agrupadas por Carlos Alves e Robinson Faria.

“O retrospecto recente destaca o incômodo com grandes coalizões. A própria Fátima sofreu com isso em 2008 quando disputou a prefeitura de Natal apoiada pela então governadora Wilma, o presidente Lula e a maioria da classe política daqui. Acabou perdendo no primeiro turno para Micarla de Souza, que apresentava-se como representante dos valores tradicionais, afora ter valido-se da campanha difamatória contra a adversária. Parece ter aprendido agora”, contextualiza a pesquisadora Maria Clara Freitas.

O enfraquecimento da elite política

O melhor exemplo para retratar o declínio e o receio de parte da elite diante do voto popular se reflete na desistência de José Agripino Maia (DEM), senador em quarto mandato e ex-governador, de tentar a reeleição. Acossado por denúncias de corrupção, o ex-presidente do Democratas concorrerá a uma vaga entre os deputados federais depois de ter sido um dos principais nomes de oposição aos governos de Lula e Dilma e apoiar o golpe.

Essa também será a primeira eleição em quase cinquenta anos sem a presença de Henrique Alves (MDB), eleito onze vezes consecutivas para a Câmara Federal. Preso e depois liberado devido a investigações que apontam desvios em obras públicas, o veterano assiste seu partido apoiar a candidatura de Carlos Eduardo, prefeito eleito de Natal por quatro vezes.

A gestão da Arena das Dunas é um dos pontos sobre os quais recaem críticas ao pedetista, que apesar de bem avaliado em anos anteriores, desgastou-se pelo atraso de salário e por ter deixado o comando da capital a seu vice do MDB.

Contribui para o pouco entusiasmo com a classe política o apoio majoritário dos líderes locais às reformas que aprofundaram a crise nacional e em, consequência, no estado. Coube a um parlamentar do Rio Grande do Norte, o tucano Rogério Marinho, relatar a reforma trabalhista, responsável por reduzir o nível salarial, liberar as terceirizações, o regime intermitente e precarizar as condições de trabalho da massa no contexto urbano e rural.

No campo, as medidas de arrocho cancelaram o seguros a agricultores que sofreram com a seca de cinco anos. “Tive duzentas cabras e agora não tenho nada. Parei de produzir pelo preço da ração de milho, além da questão da água que segue precária, temos o que beber devido às cisternas construídas, mas isso não garante a produção, precisamos de uma verdadeira reforma agrária para além da distribuição de terras que foi feita”, conta Francisco Chagas agricultor no assentamento Independência.

Na Chapada de Apodi, que ainda espera a chegada das águas da transposição do Rio São Francisco, além da concentração fundiária, a drástica diminuição da extração de petróleo na região em razão da descoberta do pré-sal afetou a cadeia produtiva e cortou postos de emprego. A decisão da Petrobras debilitou os produtores que recebiam royalties e se estendendo a Mossoró, onde o preço da gasolina beira os cinco reais num dos redutos em que o controle dos políticos tradicionais permanece.

Percorrendo o caminho contrário aos expoentes da direita, a deputada federal e candidata ao Senado Zenaide Maia (PHS), apesar do sobrenome, diferenciou-se por ser o único voto do RN contra o golpe e perfilar-se contrariamente à retirada de direitos da classe trabalhadores a e à PEC do teto de gastos.

Outro nome que desponta na contramão dos antigos favoritos, o Capitão Styvenson, popularizado pela atuação na operação Lei Seca, recusou o PSL de Jair Bolsonaro, registrando-se na Rede para concorrer ao Senado e manter-se desvinculado de outras campanhas, estratégia que desagrada seus parceiros de chapa.

O militar, que atuou na reforma de uma escola da periferia, afirma não apoiar a militarização do ensino, embora defenda a ordem e hierarquia na lista das prioridades. “As pessoas pediam para eu me candidatar a qual cargo fosse. Pensei nisso como um espelho do que a sociedade espera baseado no meu trabalho na operação Lei Seca, pois tratei sempre todos sem distinção, do ministro a pessoa mais simples. Isso causou uma efervescência na população ao ver poderosos serem confrontados com a lei”, opina Styvenson.

Enquanto a campanha de Marina Silva não deve contar com o engajamento de seu principal nome regional, o PSOL tem um pequeno alento em terras potiguares. Localizam-se no estado as únicas duas prefeituras administradas pelo partido em todo o Brasil, Janduís e Jaçanã, localidades do interior que podem trazer algum reforço aos presidenciáveis Guilherme Boulos e Sonia Guajajara, sua vice e primeira indígena a concorrer ao posto.

O RN, aliás, não possui nenhuma terra indígena demarcada, expondo etnias como a dos potiguares ao avanço da cana de açúcar e da especulação imobiliária, como nas proximidades de Goianinha e Canguaretama.

“Temos respeito pelas políticas de combate à fome, as parceiras firmadas, as cestas de alimentos que chegavam durante a estiagem evitando que indígenas fossem encher as favelas. Vivemos um momento de diálogo interrompido com o golpe e agora existe a pressão para que as minorias se curvem aos poderosos e nós não aceitamos isso, nem a desqualificação do que conquistamos. Podemos comer sushi e não virar japoneses, assim como os brancos podem comer farinha de mandioca e não se transformarão em índios”, explica o cacique Luis Catu.

O governador da insegurança

A ausência do governador nos debates temáticos sobre a segurança dão medida do tamanho do problema e dos pontos frágeis da atual administração em relação à criminalidade que coloca o RN como o mais violento do Brasil, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança. Curiosamente, em 2014, Robinson elegeu-se com o discurso da segurança, apoiado à época inclusive pelo PT, que romperia com o ex-aliado logo no início de sua gestão.

O reduzido efetivo diante da inexistência de concursos para as políticas ao longo da década e as restrições orçamentárias trouxeram consequências às ruas da capital e interior. “Precisamos humanizar o estado e capacitar os servidores a partir dos direitos humanos e da valorização profissional. O desejo de policiais em militarizar a sociedade não é bom nem para a instituição, que precisar transformar-se em uma polícia cidadã e não truculenta ou agressiva por carregar na sua formação esse comportamento. Hoje, dos sete mil homes, aproximadamente dois mil estão afastados pelos mais diversos problemas”, comenta a sargento Regina, candidata a deputada estadual pelo PT, integrante do grupo de policiais antifascistas e identificada com os segmentos quilombolas, dos ciganos, povos de terreiro e comunidade LGBT.

Nesse quadro, o RN registra 68 mortes a cada cem mil habitantes, o dobro da média nacional ao passo que a máquina estadual diminuiu os investimentos, sendo o quarto estado que menos gasta com a pasta. O panorama fez com que a rejeição à gestão atual atinja 72%, segundo levantamento Ibope divulgado em agosto, percentual que o afasta da reeleição.

“O governador pegou um estado falido, enfrentou o maior período de secas de nossa história recente e governou durante a crise que dificultou a vida dos estados. Mesmo assim, conseguiu realizar milhares de obras, Natal está sendo beneficiada com o saneamento e será em breve a única capital 100% saneada. No interior, reforçaram-se as Centrais do Cidadão, garantindo acesso à diversos serviços, além dos restaurantes populares, dos cafés cidadão, e a operação Carro-Pipa “, contrapõe o deputado estadual Galeno Torquato (PSD).

Diante de uma gestão questionada e do confronto com a oligarquia, o projeto à esquerda liderado pelo PT compete com uma direita dividia e desacreditada. Contra o estado de medo que acomete os cidadãos, a campanha de Fátima percorre o território com as carreatas do coração para conquistar também a batida da razão e renovar o poder, caso ratifique o favoritismo encontrado desde o reduto do samba no Beco da Lama ao centro da interiorana Currais Novos no Rio Grande que busca seu novo norte.

Carta Capital