Como dizia Francisco Milani, vamos deixar de chorumelas. Queremos saber se será preciso aparecer uma criança para dizer novamente que o rei está nu, à moda do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen? Ou se finalmente alguém vai perceber que o ministro Gilmar Mendes não está no domínio integral de suas faculdades mentais e precisa ser submetido a uma junta médica, com a maior urgência? Porque o fato concreto é que, nitidamente, o ministro Gilmar Mendes perdeu as estribeiras.
Além de atuar exoticamente no Supremo e no Tribunal Superior Eleitoral, tomando estranhas decisões monocráticas e contribuindo em julgamentos para libertar criminosos notórios, como José Dirceu, que cumpre prisão domiciliar escrevendo artigos políticos no blog Nocaute, o ministro Gilmar Mendes mostra que pretende substituir, pessoalmente, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Com a maior sem-cerimônia, Mendes assume encargos do governo e do Congresso, ao se autoproclamar coordenador da reforma política e criador da emenda do semiparlamentarismo. Ao mesmo tempo, arroga-se no direito de substituir o plenário do Supremo e declara a inconstitucionalidade de um artigo do Código de Processo Penal, que está em vigor desde 1941.
SUPERPODERES – Existe corporativismo em todos os órgãos da República, mas o que está ocorrendo no Supremo ultrapassa todos os limites do razoabilidade, principal doutrina que norteia o exercício da Justiça. É preciso tomar alguma providência, porque Mendes se comporta como se tivesse superpoderes e toma até decisões “ultra petita”, extrapolando o que foi solicitado à Justiça.
No caso da condução coercitiva ,por exemplo, as ações por ele relatadas pediam que não seja tomada tal medida sem que o indiciado, réu ou testemunha se negue a comparecer perante a autoridade policial ou judicial. Apenas isso. Mas Gilmar Mendes foi além e declarou a inconstitucionalidade de qualquer condução coercitiva, uma medida que nem chegara a ser pleiteada.
FALSO ARGUMENTO – Para justificar a absurda liminar “ultra petita”, o relator alegou que “essa restrição severa da liberdade individual não encontra respaldo no ordenamento jurídico”, argumentando que, após a Constituição de 1988, a condução coercitiva ficou “obsoleta”, pois foi consagrado o direito do suspeito ficar em silêncio, sem responder perguntas num depoimento, sem ser prejudicado por isso.
Caramba, que raciocínio escalafobético, esquisito e estrambótico! Uma coisa nada tem a ver com a outra. Ninguém tem direito de descumprir uma convocação judicial. Pode até comparecer e não falar nada, evitando se autoincriminar. Mas ninguém pode desprezar uma ordem judicial, como propõe Gilmar Mendes. Ao acobertar essa prática, ele simplesmente está desautorizando, desprestigiando e desmoralizando a Justiça. Apenas isso. Portanto, não pode estar no seu raciocínio perfeito.
Nem Sigmund Freud conseguiria explicar uma liminar enlouquecida como esta, mesmo ajudado por Carl Jung, Jacques-Marie Lacan, Philippe Pinel e Nise da Silveira. O ministro Gilmar Mendes realmente precisa de tratamento, antes que seja tarde demais.
Publicado na Tribuna da Imprensa