Opinião

Decreto da posse de arma é vazio, sem forma e sem figura de lei, apenas um remendo

O decreto desta terça-feira, assinado por Bolsonaro, altera o decreto 5123 de 2004, que regulamentava o Estatuto do Desarmamento. Portanto, não se trata de decreto novo, mas de adaptações ao que já existia. Mas entre algumas outras anomalias jurídicas, a principal delas reside num ponto despercebido pelo legislador de 2003, que instituiu o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826) e pelos presidentes que baixaram o decreto 5123/2004 e o decreto desta terça-feira, assinado por Jair Bolsonaro.

Repara-se que não obstante denomina-se Estatuto do Desarmamento, a legislação e seus decretos cuidam é do armamento. Dá as condições para armar, com arma de fogo, a população do país, talvez até mesmo numa espécie de transferência da responsabilidade, que é estatal, para os vitimados, pelo menos no campo cível.

SEM ESPECIFICAR – Mas o curioso e vago é que, tanto o Estatuto quanto os decretos não mencionam quais as armas que o “cidadão de bem”, como diz o presidente, pode ter a posse. Sim, é arma de fogo. Mas existem inúmeras armas de fogo.

Era necessário indicar qual (ou quais) a arma que o “cidadão de bem” pode ter sua posse em sua residência ou local de trabalho, desde que seja o dono do estabelecimento. Pode ser um revólver calibre 22? Um 32? ou 38? Pode ser uma espingarda de um, dois ou mais tiros? Um rifle, pode ser? Automático, semiautomático ou não automático? Até mesmo um fuzil ou metralhadora, pois tudo é arma de fogo, pode ser?

ANTES OU DEPOIS – E como o “cidadão de bem” faz para ter legalmente a posse da arma de fogo? Deve primeiro comprar a arma? Se assim for, como conseguirá portar a arma da loja até sua casa ou estabelecimento comercial, se a autorização do porte e da posse só virá depois e ele não tem nem a posse e nem o porte?

Qual o custo do registro da arma e em que instituições o “cidadão de bem” poderá ou deverá fazer o curso de tiro exigido para obter o Certificado que autoriza a posse?

E ainda, por ora: o que vem a ser um “cidadão de bem” sem vínculo com organização criminosa, bandidos, milicianos e outras espécies de “cidadãos do mal”? Este decreto desta terça-feira toca neste assunto.

CIDADÃO DE BEM – Um médico, um advogado, uma doméstica, um pedreiro (para citar apenas quatro profissões) que tratam ou trabalham profissionalmente para o “cidadão do mal”, ciente ou não ciente de quem seja a pessoa para a qual trabalham, estariam descredenciados a obter a posse de arma de fogo só por causa dos serviços que a ele presta?

Não se produziu uma peça de relevante valor social e de perfeição jurídica. O governo aproveitou uma canoa furada (o decreto de 2003) e nela fez umas precários remendos na tentativa de reparar tantos furos e prosseguiu viagem.

Esperava-se uma Medida Provisória vigorosa e de grande alcance social para a pacificação dos conflitos armados que ocorrem em todo o país, todos os dias, há anos. Infelizmente o que veio foi um instrumento vazio, sem forma e figura de lei, que mais servirá para o mal do que para o bem.

Jorge Béja – TI