SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) é o novo ativo político desejado pelo governador João Doria (PSDB-SP), que busca aproveitar-se da crise entre o ex-juiz símbolo da Operação Lava Jato e o chefe, o presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Para aliados do tucano, a vice-presidência numa chapa encabeçada por Doria em 2022 pode ser a isca para fisgar o ministro à sua equipe, quebrar um alicerce do bolsonarismo e formar o que os mais empolgados chamam de “dupla matadora”.
Doria não fez convite formal ao ministro, mas diversos recados vêm sendo dados por interlocutores comuns dos dois. Nesta terça (27), o governador falou a repórteres sobre o assunto após um evento em São Paulo, dando a deixa mais explícita até aqui.
“Quem não gostaria?”, perguntou, ao ser questionado se gostaria de Moro em sua equipe. “Foi um grande juiz, é um grande ministro. Não há convite, há admiração”, disse o tucano, relembrando a parceria com o Ministério da Justiça na remoção de 25 líderes do PCC (Primeiro Comando da Capital) de São Paulo.
A saída é vista pela área de segurança do estado como responsável por alguns dos bons números que a gestão Doria vem apresentando de redução de criminalidade nestes primeiros meses do governo.
O governador vem se movimentando acentuadamente para tentar diferenciar-se de Bolsonaro, após ter sido eleito em 2018 com uma ajuda fundamental da campanha conjunta “BolsoDoria” no segundo turno contra Márcio França (PSB).
Desde que assumiu o governo e começou a enfrentar todo tipo de desgaste, a maioria autoinfligido segundo avaliação corrente nos partidos de centro, Bolsonaro viu refluir de sua base de apoio o eleitorado de centro e centro-direita que havia votado nele amparado nos discursos anticorrupção e antipetista.
O presidente ainda tem confortáveis um terço do eleitorado, mas eles parecem hoje divididos entre os bolsonaristas radicais e aqueles elementos antiestablishment, a contar com a avaliação de pesquisas qualitativas de partidos. O antipetismo é mais espraiado pelos diversos grupos que apoiaram Bolsonaro, mas aí Doria sempre esteve bem colocado.
E o voto anticorrupção, fortemente atrelado à ação da Lava Jato que Moro simbolizou desde 2014, está na praça. Não só ele: o próprio ministro vem sofrendo uma campanha diária de humilhações por parte do presidente, que lhe retirou um aliado à frente do antigo Coaf (que foi extinto para renascer sob as asas do Banco Central) e passou a semana passada dizendo que poderia trocar o diretor da Polícia Federal quando quisesse.
Isso é verdade, mas do jeito que vem sendo colocada a atitude de Bolsonaro indica a pura e simples fritura de Moro. Motivos: o prestígio ainda associado ao ex-juiz, que o presidente considera a antessala para uma candidatura presidencial dissidente em 2022, e as investigações que Moro não coibiu acerca dos elos entre a família do mandatário e milicianos no Rio.
Isso levou, como a Folha de S.Paulo relatou, a uma discussão acalorada entre ambos recentemente e ao esfriamento público, quase diário, da relação dos dois. Segundo um líder partidário com acesso a Moro, o ex-juiz reclama que trouxe prestígio ao governo, mas só ganhou críticas de volta.
Moro foi o grande trunfo apresentado por Bolsonaro durante a transição de governo, que até então só tinha como nome reconhecido o economista Paulo Guedes, que viria a ser o chefe da área.
Ao aceitar ser ministro, o juiz que colocou Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na cadeia ganhou imediatamente a acusação de ter orientado seu trabalho para remover um adversário central de Bolsonaro em 2018, recebendo a cadeira em troca.
Moro nega isso, mas sua situação ficou mais delicada com as revelações do site The Intercept Brasil sobre mensagens trocadas entre ele e procuradores da Lava Jato. Para alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, elas indicam parcialidade do então juiz.
Para Doria, isso é irrelevante. Ele já concedeu uma medalha a Moro e fez elogios públicos a ele quando o escândalo do Intercept veio à tona. Agora, estende o tapete do Palácio dos Bandeirantes a ele, não sem causar a pergunta óbvia: estaria convidando para sua casa um potencial adversário em 2022?
Aí entra na equação a sugestão da oferta da vice. Moro sofreu desgaste nos últimos meses, embora retenha popularidade alta. Um operador político de Doria em Brasília afirma que o governador está ciente disso, mas considera que a disputa presidencial está tão distante que o bônus de retirar o símbolo anticorrupção do governo é bem maior que o eventual ônus lá na frente.
Para deixar o governo, Moro já teria até uma desculpa: a falta de resposta de Guedes a seu pedido para ampliação orçamentária do ministério em 2020.
Restaria saber onde encaixá-lo em São Paulo, dado que no estado a pasta da Justiça é lateral e a da Segurança Pública, central, mas cujo titular, o general da reserva João Camilo Pires de Campos, tem tido o trabalho bem avaliado.
A fusão de ambas as secretarias deixaria o militar sem teto, o que obrigaria a outras acomodações. Parece algo menor, contudo, dado o tamanho do gol político que roubar Moro de Bolsonaro teria.
Em seu esforço de diferenciação do presidente, Doria já o criticou abertamente em diversos episódios recentes, buscando qualificar Bolsonaro como alguém dado a posições mais extremas. O faz com luvas de pelicas, contudo.
Na semana retrasada, aproveitou a expulsão do deputado federal Alexandre Frota do PSL-SP para filiá-lo, não sem contestação judicial da velha guarda tucana, ao PSDB. O caso ainda pode ter novos capítulos, e Doria sofreu um revés interno ao não conseguir ver o deputado Aécio Neves (MG) expulso da sigla na semana passada.
Doria também é muito próximo de Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo Bolsonaro no Congresso. Para muitos de seus aliados, ele apoiará informalmente a deputada se ela quiser ser candidata a prefeita paulistana no ano que vem, ainda que oficialmente dará suporte à postulação de Bruno Covas (PSDB) à reeleição.
No sempre convulsionado PSL, a líder é acusada por colegas de fazer jogo duplo. Ela, por sua vez, nega e afirmou recentemente que Moro tem apoio do governo para permanecer no cargo -apesar do bombardeio quase diário de Bolsonaro.
Por fim, Doria já havia aberto uma cunha no bolsonarismo original ao atrair para presidir o PSDB no Rio o empresário Paulo Marinho, peça-chave da campanha do então presidenciável em 2018 e suplente do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do mandatário.
O empresário é próximo de Gustavo Bebianno, que foi o primeiro ministro a ser expelido do Planalto pelo presidente, e que vem dando declarações favoráveis a uma candidatura de Doria em 2022.