Política

Em “momento de observação”, Renan aguarda erro de Bolsonaro para buscar novamente o protagonismo

“O momento é de observação.” Essa tem sido a frase clichê do senador Renan Calheiros (MDB-AL) a jornalistas que o abordam para saber como ele atuará no Senado após sofrer sua maior derrota eleitoral ao ser superado por Davi Alcolumbre (DEM-AP) na disputa pela presidência da Casa.

O habilidoso emedebista, conhecido por saber medir gestos e palavras, deixou o plenário naquele 2 de fevereiro abalado. E mergulhou num silêncio de 17 dias – o que, para os seus 40 anos de vida pública, soam como uma eternidade. Foi para Murici, em Alagoas, e se refugiou em sua fazenda. Não deu entrevistas, não falou com “estranhos”. Até por telefone, só com amigos.

Retornou ao Senado – sua casa desde 1995, onde já precisou se adequar e reinventar várias vezes – e optou por uma postura diferente da dos últimos tempos: reflexivo, observador, calado. Mas não menos estratégico.

Um interlocutor muito próximo de Renan Calheiros explica: “Ele considera o Davi [Alcolumbre] novo e inexperiente. E está vendo o governo Bolsonaro desarticulado. Acha que esse início é favorável, porque é início de governo, mas acredita que, mais pra frente, a corda vai esticar. E é aí que ele entra com sua capacidade de articulação, conhecimento, experiência e, acima de tudo, domínio dos bastidores”, afirmou.

Então ele acredita que, mais cedo ou mais tarde, será necessário ao governo Bolsonaro? “Sim”, responde o interlocutor. Mas quando isso deve acontecer? “Quando o governo começar a errar mais.”

O emedebista sabe a dimensão do seu capital político. Porém, ele reconhece que perdeu força. E tem um agravante: seu filho governa Alagoas. O governo federal pode afetar as contas nos estados e a última coisa que Renan Calheiros pode permitir, no momento é que a bem avaliada gestão de Renan Filho seja atingida. “Por isso, cautela é a palavra do momento. Esperar”, completou esse interlocutor.

Quem o visitou, conversou por telefone e tem estado em sua companhia desde que ele voltou à Brasília lembra que “essa não é a primeira vez que Renan está no chão”. “Com sua capacidade de articulação, bom trânsito com todos, ele já se levantou muitas outras vezes”, completou outro político conhecido nos corredores da capital federal.

Basta mencionar, por exemplo, sua situação em 2007 quando o senador emedebista renunciou à Presidência da Casa para evitar ser cassado após uma sucessão de denúncias, entre elas, a de ter despesas pessoais pagas por um lobista de construtora, inclusive, a pensão alimentícia de uma filha com a jornalista Mônica Veloso.

Com a ajuda do voto secreto, na ocasião, ele se livrou duas vezes em plenário da cassação do mandato. Depois de um período de hibernação, retornou aos poucos, como líder do MDB na Casa. Renovou o mandato de senador em 2011. Voltou ao comando do Senado em 2013 e se reelegeu em 2015. No ano passado, reelegeu-se para o quarto mandato.

Nem os inquéritos que coleciona no STF, as constantes citações na Lava Jato e o movimento #foraRenan o afastaram do Senado. A mesma sorte não tiveram outros companheiros de partido também investigados na Lava Jato, como Romero Jucá (RR) e Eunício Oliveira (CE). Porém, todos esses fatores fazem com que a figura do senador seja cada vez mais difícil de ser defendida publicamente.

O dia da derrota

Para entender o plano de Renan, segundo seus aliados, vale uma breve retrospectiva dos fatos recentes.

O adversário do emedebista, Davi Alcolumbre, foi apoiado pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Embora se sentisse mais confortável com a derrota de Renan, o presidente Jair Bolsonaro preferiu não declarar apoio explícito a Alcolumbre.

Bolsonaro ligou dias antes para Renan – publicamente, a conversa foi institucional, contudo, nos bastidores, diz-se que o assunto foi sobre um dos filhos do presidente, Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), encrencado em uma série de denúncias.

“Falar de Renan é falar de lembranças. Lembre-se também que ele já foi ministro da Justiça no governo FHC [Fernando Henrique Cardoso]”, afirmou um emedebista. O ex-presidente do Senado dirigiu a pasta entre abril de 1998 e junho de 1999.

A votação para a Presidência do Senado foi marcada, sobretudo, por uma discussão: votação aberta ou fechada. O Regimento Interno da Casa diz que o voto é fechado. Sem consenso sobre o assunto, a sessão que teve início na sexta-feira, 1º de fevereiro, foi suspensa e retomada no sábado (2). Nesse meio tempo, aliados de Renan acionaram o STF e o presidente, Dias Toffoli, reafirmou o que diz a norma da Casa.

No debate do plenário, os senadores alegaram que a votação deveria ser aberta para que a população pudesse conhecer em quem seus eleitos estavam votando. O pleito fechado favorecia Renan, enquanto o voto aberto, o seu oponente, Davi Alcolumbre. Os adversários do emedebista decidiram, então, revelar seus votos, pressionando os demais colegas a fazerem o mesmo. Quando percebeu que senadores que haviam prometido voto a ele mudaram de lado e seria derrotado, Renan resolveu deixar a disputa. Recebeu cinco votos.

“Estou saindo porque o voto foi declarado na forma do regimento como secreto. Eles [adversários] abriram o voto. Na primeira votação, houve um equívoco, um voto a mais e, por conta disso, eles abriram o voto do PSDB para inibir quatro possibilidades de votos que tínhamos. Qual a lisura? E no final o filho do presidente fez questão de abrir o voto”, afirmou o emedebista ao anunciar sua desistência na disputa à Presidência. A declaração de voto em Alcolumbre feita por Flávio Bolsonaro, de quem ele esperava apoio, foi a gota d’água.

Racha emedebista

Em meio a isso tudo, teve ainda uma clara divisão no MDB, liderada pela senadora Simone Tebet (MS), que chegou a lançar candidatura, mas acabou retirando seu nome em favor de Davi Alcolumbre, de quem se tornou aliada. Ela já havia concorrido internamente com Renan e perdido.

“Renan não engoliu e vai cobrar o preço”, sentenciou um aliado. O senador, claro, nega qualquer movimento. Só repete estar “observando”.

A aproximação de Simone e seu grupo com Alcolumbre – ela preside a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) -, a forma como Renan se retirou da disputa, sem consultar outros emedebistas, e o desgaste natural da derrota o fragilizam ainda mais. Há um grupo de senadores que prefere não tocar no assunto e fala em “página virada”.

“Ele tem considerado tudo isso também . Todas as peças estão postas no tabuleiro”, relata aquele primeiro interlocutor. “Se ele retoma o poder? No curto e médio prazo, não. A quem quer que seja, diz que a hora é de cautela”, completa.

Nesse cenário, o senador não pretende batalhar por retomar o protagonismo perdido. Sem conseguir presidir a Casa, foi impedido também de ocupar o comando da comissão mais importante do Senado, a CCJ, mas garantiu uma suplência por lá. Como titular, vai ocupar as comissões de Assuntos Sociais (CAS), Ciência e Tecnologia, e Educação.

Sem fazer barulho, a ideia do emedebista é transitar nos bastidores. Como sempre fez. E esperar. Parece uma torcida contra, mas Renan tem seus motivos.