O inquérito aberto para apurar as supostas tentativas de interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal, apontadas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro ao deixar o governo e negadas pelo presidente, trouxe à tona novas contradições e choques de versões, sobretudo após os depoimentos à PF dos ministros Braga Netto (Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).
MENÇÃO À POLÍCIA FEDERAL
O presidente Bolsonaro afirmou, após a divulgação de relatos sobre o vídeo, que em nenhum momento usou o termo “Polícia Federal” na reunião.
Os depoimentos dos ministros Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno contradizem, no entanto, a declaração de Bolsonaro. Heleno chegou a afirmar que o presidente manifestou incômodo com a atuação do superintendente da PF em Pernambuco.
Ramos, por sua vez, disse que Bolsonaro “se manifestou de forma contundente sobre a qualidade de órgãos de inteligência produzidos pela Abin, Forças Armadas, Polícia Federal”.
Perguntado sobre as declarações de seus ministros, Bolsonaro afirmou nesta quarta-feira que Ramos “se equivocou” ao citar a menção.
SEGURANÇA PESSOAL E DA FAMÍLIA
Os ministros afirmaram em seus depoimentos que, na reunião do último dia 22, Bolsonaro manifestou intenção de fazer mudanças na segurança pessoal e da sua família, e que não se referia a uma troca no comando da Polícia Federal no Rio.
A segurança pessoal do presidente, no entanto, é responsabilidade do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), chefiado por Augusto Heleno, e não do ministro da Justiça, cargo ocupado até então por Sergio Moro, que era o alvo das cobranças de Bolsonaro.
Na reunião ministerial, segundo relatos de pessoas que assistiram à gravação, Bolsonaro teria dito que, caso não pudesse trocar o “segurança” do Rio, trocaria o diretor-geral ou o próprio ministro.
CASO DA SUPERINTENDÊNCIA DO RIO
As falas de Bolsonaro seriam referências à Polícia Federal e ao próprio Moro, que acabou exonerado dois dias depois da reunião após não aceitar a exoneração de Maurício Valeixo, diretor-geral da PF, a mando de Bolsonaro.
Além disso, Bolsonaro já havia publicamente manifestado preocupação com a superintendência da PF no Rio. Este mês, ao ser questionado sobre o motivo de ter pedido a Moro para trocar o superintendente da PF no Rio, o presidente respondeu que “o Rio é meu estado”.
Já o ministro Luiz Eduardo Ramos argumentou que Bolsonaro “olhou em direção ao ministro Heleno” ao citar a troca na “segurança”. Em seu depoimento, Ramos disse que Moro pode ter tido “interpretação equivocada” sobre o teor da declaração de Bolsonaro.
AMIZADE ENTRE BOLSONARO E RAMAGEM
Em seu depoimento, Heleno confirma uma relação de proximidade entre Bolsonaro e o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem. Heleno disse, no depoimento, que Ramagem se reúne “corriqueiramente” com o presidente e disse que a “amizade” entre eles “vem da época em que o presidente sofreu o atentado, e Alexandre Ramagem assumiu sua segurança”.
Ramagem, que também prestou depoimento, disse que “tem ciência de que goza da consideração, respeito e apreço da família do presidente Bolsonaro”, mas afirmou que “não possui intimidade pessoal com seus entes familiares”.
Bolsonaro, no entanto, já mencionou ao menos duas vezes sua amizade com o diretor da Abin. Em uma live transmitida em redes sociais no dia 30 de abril, Bolsonaro comentou que Ramagem “foi ao casamento de um filho” do presidente. Em outra entrevista, Bolsonaro afirmou: ”Passou a ser um amigo. Tomava café junto, leite condensado no pão. E aí? Devo escolher uma pessoa que eu nunca vi na minha vida?”
ACESSO A RELATÓRIOS DA PF
Ao pedir demissão, Moro relatou cobranças de Bolsonaro por receber relatórios de inteligência da PF. O ex-ministro da Justiça também mencionou que Augusto Heleno, ao ouvir um dos pleitos do presidente, havia dito que Bolsonaro não poderia ter acesso ao tipo de relatório que exigia. Heleno, no entanto, disse em seu depoimento que não se lembra do episódio citado por Moro.
Nos depoimentos, tanto Heleno quanto o ministro Luiz Eduardo Ramos disseram que o presidente queria apenas ter mais informações para aprimorar as ações do governo, e que Bolsonaro não se referia a relatórios de investigações policiais. Heleno declarou ainda que o presidente não solicitou informações sobre inquéritos sigilosos.
O próprio Bolsonaro, no entanto, declarou após a demissão de Moro que havia tido acesso a um depoimento do policial reformado Ronnie Lessa, acusado de ser um dos executores da vereadora Marielle Franco. O presidente, além de declarar que o depoimento havia sido tomado por sua iniciativa, disse ter recebido “uma cópia do interrogatório”. O caso, no entanto, corre sob sigilo de justiça.
INTERFERÊNCIA NA PF DO RIO
Braga Netto afirmou no depoimento que o presidente “se queixava” do inquérito da PF sobre as declarações do porteiro de seu condomínio, no âmbito do caso Marielle, mas sustentou que Bolsonaro não se referia à Polícia Federal quando mencionou, na reunião, que era preciso trocar a “segurança” do Rio. Já Ramos afirmou ainda que Bolsonaro não direcionou a ameaça de demissão ao então ministro Sergio Moro, mas sim a Augusto Heleno, chefe do GSI e responsável pela segurança pessoal do presidente.
As versões contradizem à da defesa de Sergio Moro e de investigadores, que viram na fala do presidente uma pressão para trocar o chefe da PF no Rio de Janeiro. Segundo pessoas que assistiram ao vídeo, essa mudança teria o objetivo de evitar que seus familiares e amigos fossem prejudicados.
Após a demissão de Moro e a troca do comando da PF, por Bolsonaro, o novo diretor-geral Rolando Alexandre de Souza mudou a chefia da superintendência da PF no Rio, agora com Tácio Muzzi.
(TI)