Opinião

Entre o drama de Osmundo em 1997 e o Brasil de 2018, pouca ou nenhuma diferença.

Queira ou não, e por culpa dos governos petistas, o Brasil desde a eleição e posse de Jair Bolsonaro passou a ter um 4º poder do Estado: o poder militar. Sim, as Forças Armadas. E que seja para o bem da Nação. Em plena democracia, os militares tomaram conta do poder. Sem alternativa, foi a escolha que eleitor fez na eleição de 2018. Nesta quarta-feira em Brasília, na transmissão do comando da Marinha, solenidade que Bolsonaro, de surpresa e sem razão plausível, chegou de lancha atravessando o lago Paranoá! (será que Bolsonaro quando chegar a vez da Aeronáutica vai chegar de paraquedas?), discursaram comandantes militares. E foram enfáticos quando afirmaram que a reforma de Previdência, de que tanto se fala e promete, não pode mexer com os militares, “que são homens e mulheres diferentes dos demais brasileiros”. Por isso merecem tratamento diferenciado, dizem eles.

É até aceitável e compreensível que os militares são diferentes mesmo. São brasileiros aquinhoados com enormes garantias de toda a sorte que o restante do povo não tem.

SEM GARANTIAS – Mas o decepcionante nos discursos foi a falta da defesa das mesmas garantias médicos-sociais e previdenciárias que o povo também imperiosamente precisa ter e não tem. Quanto a isso, o silêncio dos comandantes militares foi completo. Defenderam os integrantes das três forças e seus familiares e não defenderam a grande família que é o povo brasileiro que, sem farda, também tem os mesmo direitos que os fardados e seus descendentes têm.

E por favor, não venham dizer que, no âmbito do atendimento médico-hospitalar, os hospitais Salgado Filho, Getúlio Vargas e Souza Aguiar, para citar apenas três aqui no Rio, são iguais ao Hospital Naval Marcílio Dias, ao Hospital Central da Aeronáutica, ao Hospital Central do Exército e outros centros médicos e policlínicos militares também localizados aqui no Rio, onde nada falta e o atendimento é de excelência, ao passo que nos três primeiros citados tudo é penúria, dor e sofrimento, onde tudo falta e falta tudo.

Mas esse atendimento de excelência é exclusivo para os militares e suas famílias. Ninguém mais tem direito de ser atendido lá. E não adianta insistir. A resposta é negativa, embora sejam entes e órgãos sustentados e mantidos com o dinheiro do povo brasileiro. Também lá, nos citados centros médicos militares, não se obra por benemerência.

UM TRISTE EXEMPLO – Vejam agora um exemplo doloroso, maldito, concreto e verdadeiro que aconteceu em 1997 aqui no Rio. O fato é suficiente para dispensar maiores considerações neste artigo.

Osmundo Ferreira dos Santos, por 14 anos foi militar do Exército. Deu baixa e em seguida trabalhou por mais 16 anos seguidos como carpinteiro do Ministério do Exército. Em Julho de 1997, aos 92 de idade, passou mal e não foi atendido no Hospital Rocha Faria. Em estado grave a família procurou socorro no Hospital Central do Exército( HCE ). Afinal, o idoso dedicou 30 anos seguidos de sua vida ao Exército Brasileiro e o HCE negou a prestação de socorro.

Foi quando o jornal carioca O DIA publicou o drama de “seu” Osmundo. Quando li, vesti o paletó, deixei o escritório, peguei um táxi e procurei a família para ajudá-la. E com procuração dos filhos, dei entrada em 21 de Julho, na Justiça Federal, com um Mandado de Segurança contra o diretor do HCE, pedindo à Justiça que o HCE prestasse todo o atendimento médico, Inclusive internação, que “seu” Osmundo precisava.

E imediatamente o juiz Marcelo Pereira da Silva, da 27ª Vara Federal do Rio, aceitou os argumentos expostos na petição e expediu ordem para o HCE internar “seu” Osmundo e dele cuidar.

RECEBEU ALTA – A ordem foi cumprida no dia 22 de julho. Em 7 de agosto seguinte, o HCE dá alta ao paciente que, em casa, volta a piorar no dia 21 de novembro. Levado novamente ao HCE, o atendimento foi negado.

“A liminar judicial foi para aquela ocasião e agora precisa outra”, disse a direção do hospital.É inacreditável mas foi verdade. E no dia 26 de novembro de 1997 “seu” Osmundo morre em casa.

A morte de “seu” Osmundo foi manchete de primeira página do jornal O DIA, que havia escalado o repórter Humberto Medina para acompanhar o caso desde o início. E a matéria foi de página inteira. E nesta página 13, a publicação da despedida de seu advogado, que escreveu o texto chorando de revolta:

 SONHO DE FUTURO VISOU ILUSÃO

Perdoem os que desprezaram o seu laborioso passado, crucificaram sua velhice e escarneceram da sua enfermidade. Morreu o carpinteiro Osmundo. No anonimato de homem simples e humilde, ele viveu do trabalho e para o trabalho. Apostava no futuro. Acreditava na construção de um Brasil sadio, com ordem e progresso. O tempo passou e o futuro chegou. E a resposta foi cruel. As madeiras que suas mãos transformaram em obras de arte, o cupim destruiu. Seus sonhos não passaram de ilusão. A tranquilidade que esperava ter na velhice foi desastrosa. Não fossem o empenho de sua pequena família e as mãos amigas que lhe foram estendidas, sua vida não teria se prolongado um pouco mais.

Como dói a morte de seu Osmundo. Hoje, dia do sepultamento, nada mais justo e cívico que cobrir o caixão com o Bandeira Nacional, na forma que a lei permite: para homenagear um grande brasileiro. E, também, como desagravo e súplica de perdão, por tanto abandono e maldade que sofreu no fim da vida. Adeus, seu Osmundo”.

QUESTÃO DE TEMPO – Hoje, com a volta dos militares ao poder, mesmo no regime democrático, muitas histórias como a de “seu” Osmundo vão se repetir. É questão de tempo. E as perspectivas e os sinais iniciais deste novo governo — ao sentir dos discursos dos comandantes militares — não são promissores.

Se passados 9 dias, só se viu e ouviu desencontros, desmentidos, favorecimentos, nepotismo, vaidades… o que não irá acontecer com 90, 900 e mais dias e meses passados?

Jorge Béja