Política

Especialistas apontam que mudanças no pacote anticrime enfraquecem o projeto de Moro

As mudanças no pacote anticrime promovidas pelo grupo de trabalho da Câmara enfraquecem o projeto original apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, segundo avaliação de especialistas em Segurança Pública. Para eles, as alterações prejudicam o objetivo principal do ex-juiz de reforçar o combate à corrupção no país.

A retirada do excludente de ilicitude, que pode ser sacramentada hoje, por outro lado, é vista como positiva, já que a medida poderia abrir caminho para um aumento da violência policial ao dificultar a punição de agentes em operações.

VISÃO EMOCIONAL – “Será algo correto (a retirada). Entendo que parte da população tenha uma visão emocional sobre o tema por estar exposta à criminalidade, mas o excludente de ilicitude traria uma mensagem de estímulo à violência policial, que é imensa no país”, diz Marcio Barandie, presidente da comissão de direito penal do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

Para Arthur Trindade, professor da Universidade de Brasília (UnB) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o projeto de Moro foi descaracterizado, tanto pelos itens retirados, como pela previsão da criação do juiz de garantias.

CAVALO DE PAU – “O pacote anticrime foi bastante desmembrado e descaracterizado. A Câmara deu um cavalo de pau na proposta do Moro. Tirou os principais itens que ele propunha e incluiu um item caro para ele: a ideia de que o juiz que acompanha o processo não pode julgar. O que quer dizer que Sergio Moro não poderia ter julgado Lula”, avalia o especialista em segurança pública.

Trindade entende que o principal golpe no texto original de Moro foi a exclusão da proposta de transformar em lei a prisão em segunda instância, hoje só possível por conta de um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que pode ser alterado: “Isso talvez tenha sido de todos o maior prejuízo da proposta que o Moro encaminhou. Era a joia da coroa do pacote. Com certeza enfraquece o combate à corrupção”, disse.

JUIZ DE GARANTIAS –  O professor da UnB destaca que os acusados de corrupção, em geral, são os que mais conseguem postegar a prisão quando respondem a um processo: “Na prática, no Brasil, a maior parte dos acusados é presa já na primeira instância. Os que conseguem evitar isso são justamente os que respondem pelos crimes maiores”, destaca.

Rafael Alcadipani, especialista em segurança pública e professor da FGV, entende que um outro item retirado do pacote, o que previa a adoção do plea bargain, também enfraquece a luta contra a corrupção. O mecanismo prevê uma solução negociada entre o Ministério Público, o acusado de um crime e o juiz para uma confissão de culpa.

“O plea bargian com certeza reforçaria o combate à corrupção. Foi mais uma derrota para o ministro”, afirma Alcadipani. Já Trindade acredita que esse ponto não deve afetar a luta contra a corrupção. “A Lava-Jato funcionou sem plea bargian”, ressalta. Os dois especialistas, porém, concordam que a criação do juiz de garantias é positiva, mesmo tendo sido um revés para o ministro da Justiça, porque permitiria julgamentos mais justos.
O Globo