Márcia De Chiara
Estadão
A estratégia do governo brasileiro na questão ambiental é míope e equivocada e o Brasil está numa posição subalterna em relação aos Estados Unidos, China, Europa, os grandes responsáveis pelo aquecimento global. A avaliação é de Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira e ex-secretário de Produção e Comércio do Ministério da Agricultura nos anos 2001 e 2002, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
No lugar de pedir dinheiro aos países ricos, o governo, na sua opinião, deveria pressionar as nações causadoras do aquecimento global para que elas façam a sua parte, já que o aquecimento global pode provocar uma catástrofe e colocar em risco a agricultura brasileira.
Como o sr. vê a atual situação do agronegócio e da pauta ambiental?
Há uma polarização geral no País e no agronegócio, que afeta até a pauta ambiental. Tem uma parte que defende o governo Bolsonaro, independente de qualquer coisa. E outra parte que o contesta. Essa polarização tem impedido debates construtivos dentro do agronegócio e em qualquer outro lugar, o que dificulta muito resolver a questão.
Como o agronegócio vem lidando com a pauta ambiental da sustentabilidade dos seus produtos e da redução do desmatamento?
Todo mundo tem a questão da sustentabilidade como uma preocupação. Digo isso com tranquilidade, porque fui presidente da Sociedade Rural Brasileira nos anos 1990 e lancei em 1994 uma cartilha sobre a preservação do meio ambiente. Existiu a preocupação de ter um Código Florestal. A questão climática ganhou projeção internacional muito grande com a eleição do Biden. A Europa tem todo um direcionamento da sua política agrícola pautada na questão ambiental e os Estados Unidos estão caminhando nesse sentido. E a gente está aqui ou brigando pelo desmatamento ou pedindo dinheiro. É o que o governo tem feito. O Salles (Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente) esteve em Madri e pediu dinheiro, quando apresentou a meta no Acordo de Paris de neutralidade nas emissões de gases de efeito estufa. E agora, na cúpula nos EUA, o mesmo pedido de dinheiro. Vejo isso como equivocado, porque o Brasil e a agricultura brasileira correm risco muito grande por conta do aquecimento global.
Como assim?
O aquecimento global, que ainda não chegou a um grau e meio acima do nível pré-industrial, já abriu áreas de produção na Rússia que antes eram geladas. No Brasil, temos cinco biomas e podemos ter mudanças no regime de chuvas que podem colocar em risco a nossa produtividade de regiões inteiras. O aquecimento global pode colocar em risco a agricultura brasileira ou parte dela.
Como tratar essa questão?
O Brasil tinha de ter uma estratégia. Quem está causando esse aquecimento global não é o país. São os Estados Unidos, a China e a Europa. Eles estão causando algo que pode nos prejudicar muito. Ao invés de pressioná-los, estamos pedindo dinheiro. A perda de produtividade de duas safras é um prejuízo muito maior do que qualquer coisa que se possa obter com crédito de carbono. E aqui só se fala em dinheiro, crédito de carbono, pagamento de serviço ambiental. Há toda uma estratégia para ganhar dinheiro com o que pode ser uma catástrofe.
Então a estratégia do governo é equivocada?
É totalmente equivocada, míope e de curto prazo. Estados Unidos, China e Europa estão causando o desastre e preocupados em não continuar causando. Estão reduzindo a emissão de gases de efeito estufa, fazendo investimentos milionários no carro elétrico, por exemplo. Nós, que podemos sofrer o desastre que eles estão provocando e podemos pagar o pato, parece que não estamos preocupados. Estamos vendo como oportunidade para ganhar dinheiro.
O que precisaria ser feito para mudar isso?
Precisaria ter consciência. O aquecimento global é sério. Esse um grau e meio não pode acontecer, porque terá reflexos no Brasil. Como o país está numa posição até vantajosa, temos uma matriz hídrica na energia elétrica, carro a álcool, biodiesel, teríamos de pressionar fortemente a Europa, China, Estados Unidos para eles fazerem a parte deles. Nós teríamos de estar numa posição de força, pressionando, não querendo passar o pires. Acho que é um erro estratégico e muito grave. A questão do aquecimento global não é gripezinha. É algo sério, mas existe o negacionismo, o mesmo que há em relação à covid-19.
O sr. acha que o Brasil tem condição de virar o jogo da agenda ambiental?
Virar o jogo não tem condição, mas acho que estamos numa posição subalterna. E, no clima, não éramos para ser subalternos. O Brasil é um país positivo com o clima. Não é por coincidência que a Rio Eco 92 foi no Brasil.
Mas e o desmatamento?
No desmatamento não fizemos nada. Não podíamos ter deixado o desmatamento chegar onde chegou. O desmatamento é o nosso calcanhar de aquiles. Basicamente, é ilegal e cresceu. O que estamos fazendo? Nada ou quase nada. Estamos pedindo uma graninha para começar a fazer. Está errado.
O sr. acha que existem condições de se dar passos nessa direção com essa configuração política atual?
Acho que a sociedade tem de se posicionar. Se houver essa clareza, se a sociedade estiver mobilizada, qualquer governo muda.