Ele acreditava que somente com gentileza a violência, “fruto do capital capeta que vende tudo e destrói tudo”, poderia ser superada. José Datrino (1917-1996), que se notabilizou como o Profeta Gentileza na década de 80 no Rio de Janeiro, escreveu em 56 pilastras do Viaduto do Caju sua crítica à sociedade de consumo e pintou também nas colunas o cerne de sua filosofia: “Gentileza gera gentileza, amor”.
No auge dos anos 80, quando a juventude brasileira se revirava em poesia e música inteligente em busca de identidade, política e ideologia para viver, José Datrino encarnou o profeta magro, alto e andarilho, sempre de túnica e barba branca espalhando sorrisos, acenos e mensagens de paz.
Era como se o Redentor tivesse descido do Corcovado, ganhasse forma e o dom de falar diretamente com os mortais.
“Gentileza meus filhos. Não usem problemas. Não usem pobreza. Usem amor. E a natureza tem beleza, bondade e ri”.
Muita gente perdeu o hábito de dar bom dia, dizer agradecido, com licença ou disponha. Pior que estas são aquelas que não foram educadas e desconhecem as noções básicas de civilidade.
José Datrino, ao ser chamado de louco, respondia: – “Sou maluco para te amar e louco para te salvar”.
Vamos imaginar duas situações, uma com gentileza e outra da forma como tem ocorrido quase que diariamente.
Na primeira, dois carros se fecham em um dia qualquer de novembro em Campo Grande. Os motoristas discutem, um deles saca uma arma e dispara matando imediatamente um menino de apenas dois anos que estava no banco traseiro de um dos automóveis envolvidos. Uma vida inteira jogada fora por um motivo fútil, inútil, descabido. Atitude que os policiais chamam de desinteligência.
Na segunda, dois carros se fecham em um dia qualquer, um motorista olha para o outro, pede desculpas e ainda deseja bom dia. O outro condutor, por sua vez, responde com um sorriso que não foi nada, reforça o desejo de um dia feliz e produtivo e vai embora.
A vida prossegue naturalmente e o melhor: a criança cresce, rala o joelho aprendendo a andar de bicicleta, estuda, se apaixona, se casa e cria filhos como deveria ocorrer no curso natural das coisas.
Você já parou para pensar que tipo de civilização nós estamos criando? Há poucos anos apreensões de maconha e cocaína eram contabilizadas por quilos. Hoje por toneladas.
Já parou para pensar quem consome isso tudo? Não são aqueles meninos pobres e abandonados pelo Estado, de 13 a 19 anos, sem acesso à educação e que vivem nas favelas armados de AK-47 até os dentes.
Há uma legião de gente infeliz no mundo, se picando, se drogando, fumando e bebendo até cair. Se houvesse gentileza, comunicação, honestidade e respeito nas relações humanas a vida não seria mais suportável?
Tem coisa pior que chegar ao trabalho e dar de cara com o chefe do setor ou o dono da empresa com aquela cara de carranca? Tem coisa pior que conviver horas do dia com um sujeito que acha que o mundo tem que suportar seu mau humor só porque ele está um ponto acima de você em uma escala hierárquica?
Não seria o caso da pessoa resolver seus problemas particulares particularmente ou se for profissional resolver civilizadamente com os colegas de trabalho ou com ajuda médica, em última instância? Mau humor é pior que Aids. Não existe preservativo no mundo capaz de nos proteger contra a infelicidade alheia.
Proponho que 11 de abril, data de nascimento de José Datrino, seja criado o Dia Nacional da Gentileza. Da mesma forma que existem dias para nos alertar sobre a pressão alta, o câncer e a Aids, em 11 de abril o país inteiro pararia para refletir sobre como mudar hábitos elementares pode ser saudável.
Reportagens seriam lidas nos jornais, internet, revistas e vistas nas televisões. Entrevistas em rádios com personagens nos fariam compreender como a vida de alguém se transformou totalmente a partir da adoção de práticas gentis.
Ser gentil não é sinônimo de fraqueza. É totalmente possível também discordar de alguém sem iniciar a terceira guerra mundial. Ter opinião divergente não é crime. No mais, espere a sua vez. Ela sempre chega.
Não há absolutamente nada de desprezível em ser elegante e agradável. Para exercer a gentileza basta querer. Não é preciso ter curso superior com pós-graduação e doutorado. Não precisa ser rico, milionário ou o feliz ganhador da mega sena.
Basta começar a pensar que gentileza gera gentileza, amor.
Na década de oitenta, a mesma da ecologia e do bordão “salvem as baleias”, o foco era redimir o planeta a partir da natureza.
Hoje, ainda no início desse novo milênio, o ser humano precisa pensar seriamente em se salvar para poder cuidar inclusive das baleias, das focas, das araras, dos ursos, dos cães e das crianças abandonadas nas ruas, nas caçambas e nos lixões.
O primeiro passo para a cura é admitir e diagnosticar a doença. O mundo adoeceu em consequência da infelicidade do ser humano. Quanto dinheiro é necessário para ser feliz?
Que venha o Dia Nacional da Gentileza. Vidas poderão ser salvas.
Paulo Renato Coelho Netto é jornalista, pós-graduado em marketing.