Por Pablo Ortellado

É triste assistir à guerra em torno do Projeto de Lei (PL) que regulamenta as redes sociais. Na batalha regulatória, as empresas, o governo e a Justiça estão pesando a mão, sem observar que o jogo pesado esgarça uma democracia que passou recentemente por um trauma e precisa se recompor.

Pouco antes da primeira tentativa (frustrada) de votar o projeto na Câmara dos Deputados, o Google colocou um link na capa de seu site de buscas apresentando detalhadamente os motivos por que se opunha a ele. Não haveria problema algum em a empresa publicar um post em seu blog ou canal no YouTube. Mas ela não poderia ter abusado da posição de distribuidora de conteúdo de terceiros para colocar um conteúdo próprio em destaque. O Google detém mais de 90% do mercado de buscas e é simplesmente o site mais visitado no Brasil.

ALGUMAS DIFERENÇAS – Buscadores como Google, redes sociais como Facebook e sites de vídeos como YouTube não são tratados pela lei como veículos de mídia porque, em vez de produzirem conteúdos próprios, distribuem os de terceiros. É justamente por isso que, fora algumas circunstâncias excepcionais, não são responsáveis pelos conteúdos que distribuem e não têm as obrigações que cabem a jornais e TVs.

Ao pôr o link na capa, o Google privilegiou um conteúdo dele mesmo, rompendo com a alegada neutralidade que diz ter como distribuidor de conteúdo de terceiros. E não fez só isso. No recurso de autocompletar, o Google sugeria seu próprio texto quando alguém começava a digitar “PL das Fake News” — mesmo seu texto não estando entre as expressões mais buscadas.

Também veiculou propaganda contra o PL no Facebook, mas este não classificou a propaganda como política, limitando a divulgação dos dados da campanha.

TELEGRAM ABUSOU – Alguns dias depois, o Telegram foi mais longe. Distribuiu uma mensagem apresentando sua posição contra o projeto a todos os seus usuários no Brasil. A medida foi ainda mais abusiva que a do Google porque, quando um usuário usava o navegador, tinha a liberdade de clicar ou não no link. No caso do Telegram, a mensagem foi entregue a todos.

O abuso precisava ser punido, mas o governo e, sobretudo, a Justiça pesaram a mão. O ministro Flávio Dino corretamente acionou a Secretaria Nacional do Consumidor, que, entendendo o link como propaganda abusiva, determinou sua retirada sob pena de multa.

Mas não parou na medida acertada e determinou que a empresa divulgasse “contrapropaganda”, exigência completamente esdrúxula. Logo em seguida, o Cade — órgão vinculado ao Ministério da Justiça que zela pela concorrência — abriu investigação para apurar abuso de posição dominante.

MAIS CONFUSÃO – O ministro Alexandre de Moraes, do STF, apoiado no controverso inquérito das fake news, convocou o presidente do Google e da Meta para depor na Polícia Federal, considerando a campanha das empresas “imoral” e “instigação à manutenção de diversas condutas criminosas praticadas pelas milícias digitais”, um juízo de valor sobre os argumentos completamente inapropriado.

O deputado Arthur Lira, presidente da Câmara, encaminhou notícia-crime à Procuradoria-Geral da República, que solicitou — Moraes depois acatou — abertura de inquérito para apurar a conduta de Google e Telegram em relação ao PL.

No pedido, a PGR diz que a ação das empresas pode configurar o crime de abolir o Estado Democrático de Direito, acusação absolutamente descabida!

LETRAS MAIÚSCULAS – Em relação ao Telegram, Moraes determinou a remoção da mensagem sob pena de suspender o aplicativo por 72 horas. Também determinou que o Telegram distribuísse nova mensagem aos usuários dizendo que “a mensagem anterior do Telegram caracterizou FLAGRANTE e ILÍCITA DESINFORMAÇÃO [em maiúsculas no despacho] atentatória ao Congresso Nacional, ao Poder Judiciário, ao Estado de Direito e à Democracia Brasileira, pois, fraudulentamente, distorceu a discussão e os debates sobre a regulação dos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada (PL 2.630), na tentativa de induzir e instigar os usuários a coagir os parlamentares”.

Moraes não apenas condenou o abuso do Telegram ao distribuir mensagem própria a todos os seus usuários, mas, inapropriadamente, emitiu juízo sobre o conteúdo.

Os argumentos do Telegram na mensagem podem ser equivocados, mas não cabe ao ministro emitir juízo sobre eles, muito menos usar o poder de punir a empresa para distribuir mensagem desqualificando argumentos de quem se opõe ao Projeto de Lei. Não se combate abuso com abuso.