Brasil

“O Estado não pode ser infrator”, diz ministra Cármen Lúcia, sobre relatórios “antifascistas”

(CB) – Com forte discurso em prol da democracia, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF) — relatora de uma ação da Rede Sustentabilidade que questiona a elaboração de dossiê contra opositores do governo —, votou para que seja suspensa, de imediato, qualquer investigação do tipo no âmbito do Ministério da Justiça. A Corte começou a julgar, nesta quarta-feira (19/8), uma ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) apresentada pelo partido, que pede, inclusive, “abertura de inquérito pela Polícia Federal para apurar eventual prática de crime por parte do ministro da Justiça e Segurança Pública (André Mendonça) e de seus subordinados”. O julgamento continuará hoje.

O caso foi parar no STF após vir a público a informação de que o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) da pasta, levantou informações de 579 policiais de movimento antifascista e professores universitários. Integrantes desse grupo fazem oposição ao governo e relataram perseguições em seus respectivos órgãos durante o trabalho.

Dias após a divulgação da existência do dossiê — pelo portal UOL —, Mendonça demitiu o diretor da Seopi e determinou abertura de sindicância. Nesta semana, de acordo com fontes ouvidas pelo Correio, ele ligou para os ministros do STF para se explicar.

O advogado-geral da União, José Levi, pediu o indeferimento da liminar pedida na ADPF, destacou que o governo está definindo uma política nacional de inteligência e se compromete a seguir, no setor, diretrizes definidas pelo Supremo. “A União rejeitando toda e qualquer forma de autoritarismo ou de totalitarismo, aí incluído o fascismo, roga a este Supremo Tribunal Federal que seja indeferida a liminar pleiteada na presente ADPF”, disse.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, também minimizou o relatório. Ele afirmou que as informações constantes no documento são abertas, ou seja, podem ser encontradas, por exemplo, nas redes sociais. Ele disse não ver ilegalidade e defendeu a rejeição da ADPF. “Os chamados relatórios de inteligência apresentam, na verdade, uma compilação de dados e informações extraídos de fontes abertas. E quais são essas fontes abertas? Por incrível que pareça, aquelas que estão acessíveis a todo e qualquer indivíduo: Instagram, Facebook, YouTube e manifestos publicados nas redes sociais.”

Cármen Lúcia, porém, discordou. Ela viu ameaças ao regime democrático e práticas semelhantes às ocorridas no regime militar, quando o Brasil vivia sob ditadura. “O proceder de dossiês, pastas, relatórios, informes sobre a vida pessoal dos cidadãos sobre suas escolhas não é nova neste país, e não é menos triste termos de voltar a esse assunto quando se acreditava que era apenas uma fase mais negra de nossa história”, disse. “Não compete a ninguém fazer dossiê contra quem quer que seja ou instalar procedimento de cunho inquisitorial. O Estado não pode ser infrator. O abuso da máquina estatal para escolher informações de servidores contrários ao governo caracteriza desvio de finalidade.”