Eleições

Quanto ainda vale o tempo de TV numa eleição?

No Brasil já há mais chips de celular do que pessoas, 66% da população têm acesso à internet. O brasileiro passa 3 horas e 39 minutos por dia em redes sociais, só perdendo para os filipinos. Os números de um relatório de 2018 da ONG We Are Social e da Hootsuite ajudam a entender um personagem não necessariamente novo na política brasileira, mas que já está tendo mais espaço na corrida eleitoral deste ano: as redes sociais.

De olho nesse universo, os políticos já avançam nas redes. Entre janeiro e julho deste ano, os nove principais candidatos ao Planalto tuitaram nada menos que 12.364 vezes. Isso significa que o eleitor brasileiro poderia ler um tuíte novo a cada 24 minutos, durante sete meses. E esse fluxo só tende a aumentar.

Mesmo assim, a TV ainda deve concentrar a atenção dos políticos. A última pesquisa de mídia no país feita pelo governo federal, em 2016, apontou que 63% dos brasileiros se informavam pela televisão, deixando a internet na segunda colocação, com 26%. Os dados são próximos de uma pesquisa Ibope/CNI feita em junho deste ano: 62% dos 2 mil entrevistados apontaram que devem ser informar sobre os candidatos pela TV, e 26% por redes sociais e blogs.

Para o chefe da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da FGV, Marco Aurelio Ruediger, TV e redes sociais não podem ser vistas como corridas distintas na eleição, mas complementares.

“A maioria dos brasileiros se informa através da televisão ainda. Mas TV e redes sociais não são formas excludentes de informação. Se olharmos bem, um número muito parecido hoje já se informa pelas redes sociais. O Brasil é um dos cinco maiores usuários de Twitter e Facebook no mundo. O elemento novo são as redes sociais, a televisão sempre foi importante. Mas, ao contrário da TV, o impacto das redes se dá em tempo real, em uma escala imensa. A internet tem um fator multiplicador importante”, afirma o professor Ruediger.

O grupo DAPP da FGV estuda o comportamento dos brasileiros nas redes sociais há pelo menos cinco anos, com estudos sobre “fake news” e robôs utilizados na política. Eles montaram uma sala de acompanhamento para analisar os dados das campanhas.

O relatório mais recente apontou que Jair Bolsonaro (111.590 curtidas, comentários e compartilhamentos ) e Lula (111.405) são os candidatos que tiveram mais interações por postagem no Facebook entre 7 de julho e 6 de agosto, seguidos por João Amoêdo (43.453). Ruediger afirma que a corrida dos votos pode ter as redes sociais como importante aliado para pontos preciosos na reta final.

“Não acredito que as redes sociais possam definir sozinhas uma eleição, mas podem fazer a diferença quando a margem de erro for de 1 a 2 pontos. Na eleição em que Trump venceu, as mídias tradicionais foram hegemônicas até determinado ponto, nos dois últimos meses as redes sociais tiveram um impacto enorme na votação. Então acredito que as campanhas terão uma mistura dos dois, com o elemento novo que são as redes”, diz Ruediger.

De olho nos segundos e nos dados

A atuação dos candidatos está sendo intensa nas redes sociais em 2018. Todos os candidatos ao Planalto possuem páginas ativas no Twitter. Juntos, eles publicaram, responderam ou compartilharam mais de 12.000 tuítes entre janeiro e julho. Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede), Jair Bolsonaro (PSL) e Guilherme Boulos (PSOL), Henrique Meirelles (PSD), João Amoêdo (Novo), Álvaro Dias (Podemos) postam diariamente na plataforma.

Mesmo preso em Curitiba, Lula tem a segunda página mais recheada de postagens, com média de 13 tuítes por dia em 2018. O campeão é Álvaro Dias, com 18 postagens diárias no período. A atuação digital do ex-presidente é tão grande quanto a fora das redes. Desde a prisão, ele tem atuado bastante nos bastidores em recados por carta ou conversas diretas com correligionários petistas.

Apesar da campanha intensa nas redes, o tempo de TV na campanha ainda é tratado como uma importante moeda de troca na hora de partidos e candidatos definirem coligações. O tucano Geraldo Alckmin foi o que mais conseguiu alianças, reunindo oito partidos do chamado Centrão. Com isso, de acordo com cálculo feito pelo jornal Valor, ele vai ter 5 minutos e 32 segundos do programa diário, ou cerca de 44% do tempo total, e ainda 435 inserções fora do horário eleitoral gratuito. Lula teria 18,4%, e Henrique Meirelles, 15,6%.

Alckmin terá que usar o latifúndio de tempo que conseguiu em alianças para tentar conquistar votos. As pesquisas mostram ele em quinto na corrida, variando entre 5% e 7%. Por outro lado, com módicos 8 segundos na telinha, Bolsonaro aposta nas redes sociais para manter ou expandir seus números nas pesquisas, em torno de 20%.

Armadilhas da campanha nas redes

Uma novidade que deve ser motivo de preocupação para especialistas é a possibilidade de anúncio eleitoral direcionado pelos candidatos nas redes sociais. Para Bruno Bioni, pesquisador da Rede Latino-americana de Estudos sobre Vigilância Tecnologia e Sociedade (Lavits), a nova regra que entrou na última Reforma Política dá margem para que políticos mudem o discurso de acordo com o tipo de usuário da rede.

“Na televisão o candidato precisa ter um discurso uniforme porque vai atingir todos os públicos. Com os dados pessoais que as redes sociais possuem, os anúncios podem direcionar as informações. Então isso é um perigo. Nas eleições americanas, estudos mostraram que Donald Trump fez isso, tendo um discurso instável, sendo mais liberal em alguns momentos e conservador em outros”, diz Bioni.

O acesso à internet ainda limitado em algumas regiões e o perfil socioeconômico do brasileiro ainda são entraves para que o alcance das redes sociais possa influenciar as eleições brasileiras na mesma proporção que fizeram nas eleições de 2016 nos EUA ou no Brexit no ano passado, quando empresas direcionaram campanhas a favor de Trump e da saída do Reino Unido da União Europeia. Mas Bruno Bioni reforça que há um conflito ético no uso dos dados de usuários de redes sociais no Brasil também.

“Até agora o público estava acostumado a receber anúncios comerciais direcionados em redes sociais, mas nunca foi avisado ou ficou claro que isso também serviria para anúncio eleitorais. Essa mudança foi feita sem um debate público se isso será saudável para a democracia”, alerta.

Mudanças no Twitter e no Facebook

As empresas também pretendem se adaptar aos novos tempos de robôs e “fake news”. O Twitter começou enste ano a deletar contas que apresentam comportamento suspeito como mudanças abruptas no número de postagens, indicando que seriam robôs programados para divulgar spam. Entre maio e junho, o Twitter teria apagado mais de 70 milhões de contas, segundo o jornal americano The Washington Post.

Maior alvo de críticas após os escândalos das eleições dos EUA e do Brexit, o Facebook tenta aplicar um controle ainda maior. Em julho, a gigante de tecnologia divulgou que os candidatos e partidos terão que se cadastrar para fazer anúncios eleitorais na rede social. Os usuários poderão ver o valor pago e dados de quem efetuou o pagamento do anúncio do político ou partido. O Brasil é o segundo país a receber essa alteração, o primeiro foi os EUA.

Um dia depois do anúncio, a equipe de segurança digital do Facebook anunciou a desativação de 196 páginas e 87 perfis da rede social no Brasil, muitas ligadas ao grupo conservador Movimento Brasil Livre (MBL).

O horário eleitoral

A partir do dia 31 de agosto, dois blocos de 12 minutos e 30 segundos às terças, quintas e sábados serão destinados à propaganda para o cargo de presidente. Essa propaganda vai até 4 de outubro, três dias antes da votação do primeiro turno. Todos os dias as emissoras ainda são obrigadas a disponibilizar 14 minutos, divididos entre os partidos, de inserções em intervalos comerciais, fora do horário político.

O TSE não divulgou ainda os números finais para cada partido, mas já é possível fazer uma estimativa de acordo com as regras eleitorais. Em caso de segundo turno, os dois candidatos têm direito a tempos iguais nas semanas que antecedem a votação.

Carta Capital