Noventa horas. Entre os primeiros minutos da quinta-feira, 4 de outubro, e o último voto computado no domingo, dia 7, os produtores de fake news encontrarão um território aberto e sem lei. Será o período do vale-tudo eleitoral, quando os últimos programas de rádio e televisão estarão fechados, e a Justiça não conseguirá responder a tempo as ações das vítimas. Ao longo da última semana, o Correio entrevistou investigadores, magistrados, policiais, marqueteiros, acadêmicos, militares, agentes de inteligência e políticos.
Em comum, uma resposta: ninguém sabe a dimensão dos estragos, mas a profusão de notícias falsas será inédita e servirá de marco para regulações. Se o período crítico está definido, os ataques se intensificaram, como já é possível verificar nas mensagens de WhatsApp e nos conteúdos das redes sociais. Deve aumentar o uso de robôs, algo que sinaliza a disseminação de informações suspeitas.
As máfias atuam de todos os lados, sem preferência partidária ou mesmo ideológica. Os maiores produtores de fake news trabalham perifericamente às campanhas oficiais, criando de simples sátiras até estratégias de disseminação de conteúdos inverídicos, feitas para enganar o eleitor, num ataque direto à democracia. “Os ataques aumentarão num ritmo crescente nestas duas semanas, mas nada será comparado aos três dias finais”, disse um marqueteiro. As campanhas têm treinado equipes para tentar neutralizar os ataques, num trabalho de defesa. “Nos últimos dias, não haverá canais tradicionais para defesa, e será impossível confiar na resposta dos juízes. Não vai dar tempo”, afirmou o homem, contratado por um candidato a governador e um deputado federal que tenta a reeleição.
Em entrevista ao Correio na noite da última quinta-feira, Fábio Malini, professor da Universidade Federal do Espírito Santo e coordenador do Laboratório sobre Imagem e Cibercultura (Labic), disse que a ação de plataformas como o Twitter e o Facebook derrubando páginas com material fraudulento ao longo dos últimos meses deve diminuir as fake news com formato noticioso. “São aquelas escritas com técnica jornalística, que parecem uma notícia real, alojadas em sites. Não é que elas não vão continuar, vão surgir em menor número”, afirmou Malini. Só em setembro, o Facebook removeu 196 páginas e 87 perfis acusados de espalhar notícias falsas. A estratégia foi uma tentativa de neutralizar redes coordenadas de fake news a partir de contas falsas.
Malini acredita que os maiores ataques serão feitos por meio de vídeos e áudios falsos. “Isso, sim, vai se tornar viral a partir de agora”, disse o professor, um dos maiores pesquisadores de padrões de dados nas redes sociais brasileiras. Um dos áudios falsos foi divulgado na semana passada e envolvia o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), que supostamente gritava e chamava palavrões dentro do hospital. A família do político e o Hospital Albert Einstein se apressaram em negar o fato. A voz era a de um bom imitador do capitão reformado. Entre os integrantes de uma equipe de produtores de fake news, há artistas, dubladores, ex-jornalistas investigativos, técnicos em informática e até policiais, como lembrou um produtor de notícias falsas entrevistado pelo Correio ao longo da série de reportagens especiais sobre o tema. “Não é qualquer policial, tem de ser um oficial da PM para garantir a segurança do bunker. Caso ocorra alguma denúncia, ele precisa matar a investigação no início”, afirmou ele, que à época atuava em Goiás.
Outro caso recente e emblemático foi disseminado pelo vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PSC), filho de Jair Bolsonaro. Enquanto o pai questiona a segurança das urnas eletrônicas — uma estratégia para deslegitimar o processo eleitoral caso seja derrotado —, Carlos tuitou uma fake news que indicaria o envio de códigos de segurança das urnas brasileiras para a Venezuela. Desta vez, quem desmentiu a informação foi o general Hamilton Mourão, vice na chapa do capitão reformado. Durante uma palestra em São Paulo, ao ser questionado sobre a farsa, Mourão foi veemente: “Isso é fake news, lógico. Minha gente, pelo amor de Deus”. Ao longo da semana, respondendo às próprias conjecturas de Jair Bolsonaro, os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Rosa Weber, fizeram a defesa das urnas e do processo eleitoral.
No gabinete no 9º andar no prédio principal e suntuoso do TSE, o secretário-geral Estêvão Cardoso Waterloo se ajeita na cadeira, faz uma pausa e responde: “A tratativa das notícias falsas para fins de propaganda é uma coisa grave, mas quando se ataca a urna com notícias falsas, quando a credibilidade da Justiça Eleitoral é atacada, a instituição é atacada. E precisa se defender”, disse ele. Um dos primeiros integrantes do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, criado ainda em dezembro de 2017, Waterloo acompanhou todos os debates sobre fake news feitos na Corte ao longo dos últimos meses. “O problema é você ter ataques às vésperas das eleições. Se estamos tranquilos, fizemos um excelente trabalho. Mas temos consciência de tudo que está acontecendo neste momento”, disse ele. “Acho que é uma ideia de liberdade de expressão muito forte. É uma linha muito tênue, tendo os limites que a própria Constituição impõe.” A discussão sobre limites e liberdade está em todo o debate sobre fake news.
Em conversa com o Correio, oficiais do Centro de Defesa Cibernética, que integra o conselho consultivo do TSE, se mostram preocupados com a disseminação de fake news e acreditam que a sociedade será testada. “A grande questão é a quem poderemos atribuir os crimes. Mas é importante também a reponsabilidade de cada cidadão”, afimou o general Guido Amin Naves, comandante do centro, durante entrevista ao Correio. A responsabilidade pela investigação das fake news na disputa presidenciável é da Polícia Federal, deixando as Forças Armadas com atribuições relacionadas à defesa do Estado contra, pelo menos neste momento, ataques improváveis de outras nações.
Robôs
À medida que as eleições se aproximam, as ações robotizadas aumentam. Levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV revelou que perfis ligados a Bolsonaro e a Fernando Haddad (PT) apresentam os maiores percentuais de robôs que interagem com apoiadores, respectivamente 43% e 28% das cerca de três mil contas suspeitas. Há três semanas, um dos levantamentos da FGV — que tratava do atentado a Bolsonaro — foi alterado nas redes por supostos simpatizantes do candidato. Como lembra Mailini, os dados iniciais sobre a facada apontavam mais dúvida do que solidariedade entre internautas, porém, a viralização fake acabou mostrando o contrário.
CB