O Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quinta-feira (6), que o governo pode vender empresas subsidiárias de estatais sem necessidade de lei específica e sem realização de licitação. Para empresas matrizes ou sociedades de economia mista, diferentemente, é preciso autorização do Legislativo e processo licitatório.
O plenário derrubou, em parte, uma liminar (decisão provisória) do ministro Ricardo Lewandowski, concedida em junho de 2018, que havia proibido o governo federal, estados e municípios de vender o controle acionário de estatais e de suas subsidiárias sem aval do Legislativo e licitação prévia.
A ação principal foi ajuizada no STF pela Fenaee (Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal) e pela Contraf (Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro).
Nela, uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade), as entidades questionaram trechos da Lei das Estatais (13.303/2016), sancionada no governo Michel Temer (MDB), que regulamentou dispositivos da Constituição e fez alterações na governança das empresas públicas.
Embora a liminar de Lewandowski tratasse de estatais, sociedades de economia mista e subsidiárias, o debate no plenário se deu principalmente em torno das subsidiárias e controladas.
A decisão desta quinta não é final. O plenário do Supremo vai voltar ao tema para julgar o mérito das ações diretas de inconstitucionalidade, o que não tem data para ocorrer.
Os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Dias Toffoli entenderam, com diferenças entre si, que a venda de subsidiárias não exige lei autorizativa específica e nem licitação, bastando que se garanta a competitividade.
Já Lewandowski e Edson Fachin consideraram que esses requisitos deveriam ser seguidos.
O resultado é importante para o governo Jair Bolsonaro (PSL) e seus planos de privatização e desinvestimento. O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, acompanhou do plenário do STF as três sessões que trataram do tema, cuja análise começou na semana passada.
Há duas semanas, com entendimento igual ao de Lewandowski, o ministro Fachin suspendeu, também em decisão liminar, a venda da TAG (Transportadora Associada de Gás) pela Petrobras, um negócio fechado em abril que envolve cerca de R$ 33,1 bilhões.
O plenário do Supremo ainda não discutiu especificamente o caso da TAG, mas a decisão de derrubar a liminar de Lewandowski, que era genérica e mais abrangente, indica como a maioria da corte deve votar em relação à transportadora de gás.
Em seu voto no plenário, Lewandowski afirmou que concedeu a liminar, no ano passado, porque naquele momento estava havendo muitas vendas de estatais e ele considerou apropriado colocar “uma certa ordem” no assunto. Segundo o ministro, sua decisão provisória, que recebeu críticas do governo e do mercado, não cerceou a realização de privatizações.
“Após minha liminar, que concedi em junho, foram privatizadas várias centrais elétricas do Nordeste e do Sul do país”, disse.
Para Lewandowski, como a criação de uma estatal depende de edição de lei autorizativa pelo Parlamento, a venda também depende. Na visão do ministro, a venda de estatais e subsidiárias deve seguir a lei 9.941/1997, que entrou em vigor no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e disciplina as desestatizações.
“A Constituição não autorizaria a alienação direta de controle acionário de empresas estatais, uma vez que a lei [9.941/97], ainda vigente, exige que a ‘alienação de participação societária, inclusive de controle acionário, preferencialmente mediante a pulverização de ações’ dar-se-á por meio de licitação, a qual ‘poderá ser realizada na modalidade de leilão'”, afirmou.
O ministro Moraes, que abriu a divergência para derrubar a liminar, entendeu que somente a perda de controle acionário da empresa-mãe necessita de autorização do Legislativo. A venda das empresas subsidiárias e controladas, não.
“Não me parece que seja exigível autorização legislativa específica para que sejam vendidas ações de subsidiárias. Obviamente, se estivéssemos falando de perda de controle acionário da empresa-mãe, isso é privatização. A lei 13.303 não trata de privatização”, disse Moraes.
Para ele, a venda de subsidiárias também não requer a realização de licitação.
Barroso, que foi no mesmo sentido, afirmou que a Constituição exige que o Parlamento edite lei para criar subsidiárias, não para vendê-las. Quanto à licitação, ela seria dispensável nos moldes da Lei das Licitações (nº 8.666/1993), e citou o caso da TAG como um exemplo bem-sucedido de concorrência sem licitação.
De acordo com Barroso, apareceram 87 empresas interessadas na TAG, mais de 20 apresentaram propostas e, no final, três grandes consórcios ofereceram proposta final. “Eu considero que houve uma competição”, afirmou.
“Acho que estamos travando um debate político disfarçado de jurídico, que é [sobre] o papel do Estado e quem deve deliberar sobre esse papel. Acho que vamos ter que superar esse fetiche do Estado como protagonista de tudo”, disse Barroso ao final de seu voto.
A declaração causou mal-estar e foi rebatida. Fachin, que estava no lado oposto no debate, pediu a palavra para registrar que não teve pretensão de fazer discussão política. “Acho que nenhum de nós tem uma Constituição para chamar de sua.” Do mesmo modo, Cármen Lúcia disse que “não estamos aqui fazendo escolhas políticas”.
O ministro Fux retomou a discussão política, dizendo que o Judiciário não deve interferir nas escolhas dos governantes.
“Neste momento, [privatização] é mais importante que reformar a Previdência, porque os valores reverterão mais celeremente para a União. O republicanismo hoje está voltado para a coisa pública, e é por esse amor à coisa pública que se deve autorizar essas alienações que reverterão em benefício para o país”, disse.
JB