Quatro dos cinco ministros da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiram na tarde desta terça-feira (23) pela redução da pena do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do tríplex do Guarujá.
Julgando um recurso apresentado pela defesa, ministros rejeitaram a maioria dos pedidos – entre eles, a anulação dos julgamentos anteriores – mas concordaram em reduzir a pena de 12 anos e um mês de prisão para 8 anos, 10 meses e 20 dias.
“Por outro lado, não podemos deixar de registrar que pelo menos um passo foi dado para debelar os abusos praticados contra o ex-presidente Lula pela Lava Jato. Pela primeira vez um Tribunal reconheceu que as penas aplicadas pelo ex-juiz Sérgio Moro e pelo TRF4 foram abusivas. É pouco. Mas é o início”, diz a nota.
O efeito prático da redução é que Lula poderá pedir a progressão do regime fechado, no qual se encontra hoje, para o regime semiaberto a partir do dia 23 de setembro deste ano. O cálculo é de Fernanda de Almeida Carneiro, advogada criminalista e professora da pós-graduação em direito da Escola de Direito do Brasil (EDB).
Segundo o advogado criminalista e professor Fernando Castelo Branco, o processo do Tríplex pode prosseguir agora com os chamados embargos de declaração no próprio STJ, ou pode subir para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Embargos de declaração têm por objetivo esclarecer eventuais contradições ou omissões na decisão do STJ, sem alterar o resultado do julgamento de hoje. Segundo Castelo Branco, podem ser apresentados tanto pela defesa de Lula quanto pelo Ministério Público Federal (MPF).
Em seguida, tanto o MPF quanto a defesa podem contestar a decisão da 5ª Turma do STJ no Supremo, através do chamado Recurso Extraordinário. “Mas este tipo de recurso não discute o mérito do processo. Se limita a verificar se houve alguma inconstitucionalidade durante o processo”, diz Castelo Branco.
A BBC News Brasil responde nesta reportagem a três perguntas sobre o caso.
1. O que exatamente os ministros do STJ decidiram?
Participaram do julgamento de hoje os ministros Felix Fischer (relator dos casos da Lava Jato no STJ), Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas.
O ministro Joel Paciornik também integra a turma, mas não participou do julgamento de hoje porque seu advogado pessoal, René Dotti, atuou no processo do tríplex como assistente de acusação da Petrobras. Os quatro ministros que participaram da sessão concordaram de forma unânime com a redução de pena.
Seguindo o relatório de Felix Fischer, os ministros rejeitaram a maioria das alegações da defesa de Lula. Esta pretendia, por exemplo, que a condenação inicial do ex-juiz federal Sergio Moro fosse considerada ilegal – o juiz usou na sentença argumentos diferentes dos elencados pelo Ministério Público na acusação.
Enquanto o MPF alegava que Lula teria recebido por meio do tríplex dinheiro desviado de três contratos da Petrobras com a empreiteira OAS, Moro destacou em sua sentença que o dinheiro saiu de uma “conta de propinas” informal que o PT manteria com a construtora.
A defesa também alegava que Moro não tinha competência para julgar o caso – uma vez que a suposta propina não teria relação direta com a Petrobras, a investigação deveria ter tramitado na Justiça Federal no Estado de São Paulo, onde fica o tríplex. Alternativamente, a defesa pedia que o caso fosse julgado pela Justiça Eleitoral, pedido que também foi negado pelos ministros.
Fischer entendeu, apesar disso, que a pena de Lula foi aumentada de forma exagerada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o TRF-4, em janeiro de 2018. Naquela ocasião, os desembargadores alteraram a decisão original de Moro, que tinha condenado Lula a 9 anos e 6 meses de prisão, em julho de 2017, para 12 anos e um mês de prisão. O entendimento do relator foi seguido pelos outros ministros.
Mesmo sem ver “ilegalidade” ou “arbitrariedade” na pena decidida pelo TRF-4, Fischer decidiu rever a chamada “dosimetria”, isto é, o cálculo do tempo de prisão. Desta forma, a pena pelo crime de corrupção passiva ficou em cinco anos e seis meses e vinte dias, e a pena pelo crime de lavagem de dinheiro, em três anos e quatro meses.
Os ministros também decidiram reduzir a multa de Lula para R$ 2,4 milhões. Antes, a multa tinha sido fixada pelos desembargadores do TRF-4 em pouco mais de R$ 31 milhões.
2. Qual é o impacto da decisão para Lula?
Fernando de Almeida Carneiro é advogada criminalista e professora da pós-graduação em direito da Escola de Direito do Brasil (EDB). Segundo os cálculos dela, a redução de pena permite que Lula peça a progressão de pena para o regime semiaberto a partir do dia 23 de setembro de 2018.
A progressão, diz a professora, não é automática: depende de a defesa de Lula apresentar o pedido à juíza responsável pela execução penal do caso, Carolina Lebbos. Depois de ouvir o Ministério Público, ela poderia conceder a progressão de regime. Como Lula está preso desde abril de 2018, em setembro ele terá cumprido o patamar de um sexto da nova pena, necessário para a progressão.
“A progressão tem um requisito objetivo, que é esta conta matemática de um sexto da pena; e um requisito subjetivo, que é o bom comportamento do apenado. Como o Lula não teve, até onde se sabe, problemas no período em que esteve preso, é provável que a progressão seja concedida”, diz ela.
O regime semiaberto é aquele no qual o preso pode sair da cadeia durante o dia para trabalhar ou estudar, retornando ao cárcere durante a noite e aos fins de semana.
Na prática, a maioria dos Estados brasileiros não dispõe de vagas suficientes para o cumprimento do semiaberto, e por isso é frequente que os presos deste regime sejam enviados para a prisão domiciliar: são obrigados a ficar em casa durante a noite, mas podem sair para trabalhar ou estudar durante o dia, diz Fernanda.
Ainda segundo ela, a lei brasileira estabelece que o preso cumpra a pena perto da família, sempre que possível. Por isso, Lula pode pedir para cumprir o regime semiaberto em São Paulo ou em São Bernardo do Campo (SP), onde residia antes de ser preso.
3. O que põe em risco a ida de Lula para o semiaberto?
Lula pode ver a sua ida para o regime semiaberto impedida – ou revertida – por conta do processo relativo ao sítio de Atibaia. Neste caso, o ex-presidente é acusado de ter recebido propina da mesma empreiteira OAS por meio de uma reforma de um sítio que seria utilizado por ele e sua família no interior de São Paulo.
No começo de fevereiro deste ano, a juíza federal Gabriela Hardt condenou Lula a 12 anos e 11 meses de prisão neste caso, na 1ª instância – ela estava substituindo Moro, à época na 13ª Vara Federal de Justiça, em Curitiba.
Se a condenação neste caso for confirmada pelo TRF-4, a nova pena seria somada àquela da condenação anterior. Isto poderia impedir a progressão para o semiaberto, caso a condenação se dê antes da progressão; ou fazê-lo voltar para a cadeia, se ocorrer depois.
O TRF-4 informou à reportagem da BBC News Brasil, porém, que o processo de Lula não foi sequer recebido pelos desembargadores: o caso continua na primeira instância, em uma fase chamada de razões de apelação.