Por Pedro do Coutto
A ofensiva tarifária de Donald Trump contra produtos brasileiros — com sobretaxas que atingem setores-chave como aço, carne e café — não provocou apenas tensão no eixo Brasília-Washington. O gesto unilateral, em tom de revanche econômica e aceno à sua base ultranacionalista, atingiu proporções inesperadas: levou à manifestação formal da China em defesa do Brasil, mexeu com os mercados e reacendeu velhas incertezas sobre o papel dos Estados Unidos no comércio internacional.
A política de confronto adotada por Trump, agora em seu segundo mandato, foi descrita pelo The Guardian como “uma volta à diplomacia do tapa”, que ameaça o multilateralismo e compromete a estabilidade das cadeias globais de suprimento. O jornal britânico também destaca que o presidente norte-americano tenta reeditar os moldes de sua primeira gestão, quando impôs tarifas a aliados como Canadá, União Europeia e México. Mas o mundo de 2025 não é o de 2018 — e as consequências de agora mostram-se bem mais delicadas.
REAÇÃO – No Brasil, a reação foi imediata e institucional. O presidente Lula da Silva designou seu vice, Geraldo Alckmin, também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, para liderar um grupo especial de resposta. A frente conta com representantes da diplomacia, do agronegócio e do setor industrial, que buscam manter pontes abertas com os importadores americanos e costurar uma saída pragmática. “É preciso inteligência e firmeza. A prioridade é proteger os interesses do Brasil, mas sem romper com o que foi construído até aqui”, afirmou Alckmin, em declaração ao Valor Econômico.
O impacto da medida é real: segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, o Brasil registra um déficit comercial com os Estados Unidos — e setores como o aço e o agronegócio, justamente os atingidos pelas tarifas, representam boa parte das exportações brasileiras para o mercado americano. A estratégia de Trump mira diretamente nessas vulnerabilidades, e analistas sugerem que a ação visa também enfraquecer a imagem internacional de Lula, com quem o republicano mantém uma relação fria desde sua vitória em 2022.
ECO – Mas o que Trump não esperava era o eco negativo de sua medida no cenário global. A China, maior parceiro comercial do Brasil, não perdeu tempo: declarou, por meio de seu Ministério das Relações Exteriores, que “ações unilaterais, punitivas e politizadas não são o caminho para relações internacionais saudáveis e sustentáveis”. A fala, embora diplomática, é carregada de recado. O gesto chinês visa reforçar sua posição como defensora da ordem multilateral — e, de quebra, enfraquecer a influência dos EUA na América Latina.
Além disso, líderes da União Europeia e da Organização Mundial do Comércio (OMC) também manifestaram preocupação. Para Pascal Lamy, ex-diretor-geral da OMC, “as ações de Trump aprofundam o isolamento dos EUA no comércio global e podem gerar represálias coordenadas”. A França, por sua vez, mencionou em nota oficial o risco de “desequilíbrio estrutural nas relações Norte-Sul”, sugerindo que medidas protecionistas desse tipo só agravam a desigualdade entre países ricos e em desenvolvimento.
CRÍTICAS – No campo político interno, o episódio também ressuscita fantasmas do bolsonarismo. Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil e aliado ideológico de Trump, foi alvo de críticas por parte de membros do próprio Partido Republicano brasileiro, que veem na atual crise um reflexo do alinhamento automático que o ex-chefe do Executivo adotou com Washington durante seu governo. A retórica de “submissão aos EUA”, agora associada a perdas concretas, começa a ser contestada até mesmo por empresários que, no passado, apoiavam Bolsonaro.
Segundo o New York Times, o cálculo de Trump poderá sair caro. “Ele mirou em um parceiro regional, mas acabou acendendo alertas em todo o mundo — da OMC a Pequim, passando pela América do Sul e os aliados europeus.” Fontes do mercado financeiro relatam que a expectativa é de recuo. A própria Casa Branca estaria avaliando o custo político da medida, após o Departamento de Comércio receber pressões de importadores americanos temerosos com o efeito inflacionário das tarifas.
Se recuará ou dobrará a aposta, ninguém sabe ao certo. O que parece claro, no entanto, é que a tentativa de Donald Trump de se impor como “xerife do comércio global” encontrou resistência inédita, não apenas em Brasília, mas também em Pequim, Bruxelas e Nova York. A história mostra que, em política internacional, gestos têm peso — e consequências. E, neste caso, o gesto de Trump reacendeu uma fogueira que talvez ele não consiga apagar sozinho