Muitas coisas acontecerem no mundo afora nos últimos 30 dias, desde os preparativos para a primeira viagem presidencial de Jair Bolsonaro à Ásia (Japão e China) e ao Oriente Médio (Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita). Antes de partir, Jair Bolsonaro começou a implodir o PSL, partido pelo qual se elegeu, ao anunciar que seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), antes indicado para a Embaixada do Brasil em Washington, seria o líder do governo na Câmara dos Deputados.
Logo ao partir, o vento mudou na Argentina, com a derrota de Maurício Macri, apoiado por Bolsonaro, para Alberto Fernández, que tem como vice a ex-presidente Cristina Kirchner. Embora a Argentina seja o terceiro parceiro comercial do Brasil e o principal comprador de manufaturados. E o mesmo vento da revolta com aumento de tarifas e redução ou fim de subsídios aos combustíveis, que abalou o governo Dilma em 2013, sacudiu as estruturas do governo conservador de Sebástian Piñera, no Chile (primeiro país que visitou depois de eleito), como antes abalara o Equador e o Peru.
No Japão, o presidente tomou contato com os rituais de uma das mais antigas dinastias reinantes. Na China, que considerava país comunista na campanha e que “não iria comprar o Brasil”, tanto que escolheu deliberadamente a visita à ilha de Taiwan, considerada por Pequim uma “província rebelde”, e rendeu-se ao pragmatismo dos empresários, ministros e diplomatas que o acompanharam, passando a elogiar a economia do maior parceiro comercial do Brasil. Se “os fregueses têm sempre razão”, imagine-se um que compra US$ 100 bilhões…
Mas não parou aí o banho de pragmatismo que a realidade da Presidência da República Federativa do Brasil ofereceu. No Oriente Médio, em vez de Israel, a quem visitou em seguida à estada nos Estados Unidos, antes da posse, em 1 de janeiro, conheceu as monarquias islâmicas de direita de dois dos maiores compradores do Brasil na região.
De volta ao Brasil, terminou por implodir o PSL e assistiu o chão trocar de posição com o céu no Chile e na Bolívia, onde o reinado de Evo Morales ruiu com a revolta popular à suposta fraude numa eleição rejeitada pelo referendo de 2016, mas reconhecida pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelo candidato oposicionista Carlos Mesa. O estranho resultado, após uma intervenção mais tosca do que a do caso Proconsult, que tentou barrar a eleição de Brizola como governador do Rio de Janeiro, na primeira eleição direta após a abertura política, em 1982, acabou sendo denunciado pela OEA e atiçou a revolta popular que levou à renúncia do esquerdista Evo Morales.
Às voltas com a visita de quatro grandes chefes de Estado para a reunião de cúpula dos BRICS, o anfitrião Jair Bolsonaro, pelo Brasil, que receberia Vladimir Putin, da Rússia, Narendra Modi, primeiro ministro da Ìndia, Xi Jinping, presidente da China, segunda economia do mundo, e ainda o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, os dois primeiros são representantes de países membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (posto ao qual os outros três pleiteiam assento permanente na ampliação do CS), nem pode comemorar a queda de um governo esquerdista.
De olho na segurança dos anfitriões, decretou área de isolamento na Esplanada dos Ministérios durante os dois dias da cúpula, forçando suspensão nos trabalhos do Legislativo e do Judiciário na capital federal.
Pena que tanto rigor não tenha impedido uma manobra irresponsável: a invasão da Embaixada da Venezuela, açulada e apoiada por seu filho 03, que lidera do governo na Câmara e que por pouco (de seis a dez votos) não consegue uma vaga de chefe da diplomacia brasileira no cargo mais importante do mundo: a Embaixada em Washington, capital da maior potência do Planeta. Sábios os senadores que evitaram futuros vexames do Brasil…
A demonstração de despreparo dos filhos do presidente da República poderia ter criado um gravíssimo caso diplomático para o Brasil, mas certamente não passou despercebida pelas comitivas dos quatro chefes de Estado presentes. O que enfraquece as pretensões de um assento permanente no CS que o Brasil, quinto país em extensão territorial e população, pleiteia desde o governo Itamar Franco, na gestão de Fernando Henrique Cardoso como chanceler.
Menos mal que na crise da Bolívia, na qual, em outras circunstâncias, o Brasil, que seria o mediador natural, honrada pelo barão do Rio Branco, de conciliação com os vizinhos e povos da América Latina, a Embaixada do Brasil em La Paz conseguiu demover os xiitas do Itamaraty, que insistem em se guiar pelos ditames do bruxo de Virgínia, amigo de Steve Bannon e de John Bolton, descartados por Donald Trump. Se não houvesse conciliação, com a anuência para que o avião da força aérea mexicana que levaria Evo Morales ao exílio no México cruzasse os céus brasileiros, seria uma tragédia que empanaria a reunião dos BRICS.
Pragmático, pela fala do ministro da Economia, Paulo Guedes, que escanteou o Itamaraty de Ernesto Araújo, e já admite até um “acordo de livre comércio” com a China. Antes que Brasil reduza a carga tributária tão desfavorável fora dos BRICS, seria uma joint venture como a do porco e a galinha, com o Brasil sem pena…
Como se vê, o alinhamento automático a Donald Trump quase custou muito caro ao Brasil. O mesmo Trump, que iria apoiar a posição de Eduardo Bolsonaro no posto de embaixador, tirou a escada do Brasil em suas pretensões de ingresso na OCDE, para o qual abrimos mão de tratamento preferencial a países em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio. Enquanto isso, o mesmo Trump dava uma guinada em relação aos aliados do Oriente Médio, aliando-se à Turquia de Erdogan e deixando os aliados curdos à própria sorte.
O modelo chileno, tão louvado nas hostes bolsonaristas, resolveu dar uma arejada e criar uma Constituinte e reformar a Carta Constitucional outorgada pelo ditador Augusto Pinochet, antes do general deixar o poder. E havia filhos da pátria louvando a utilização de instrumentos ditatoriais, como o finado AI-5, para superar eventuais crises político-institucionais nascidas de rebeliões de esquerda. Em 30 dias, o mundo girou e só reforçou a percepção de que a democracia é a melhor solução para resolução de conflitos (à esquerda e à direita).
GILBERTO MENEZES CÔRTES