O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, votou em causa própria ao defender a restrição ao compartilhamento de dados da Receita Federal com órgãos de investigação, como o Ministério Público e a Polícia Federal. Ao mesmo tempo, atendeu também os interesses de seu grande amigo Gilmar Mendes. No caso de Toffoli, sua mulher Roberta Maria Rangel está entre contribuintes alvo de investigação por indícios de irregularidades tributárias. É a mesma apuração que também atingiu o ministro do STF Gilmar Mendes e sua mulher, Guiomar Feitosa Mendes.
Portanto, em sua decisão liminar de 16 de julho, ao generosamente aceitar o pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, o ministro Toffoli também estava atendendo a seus próprios interesses e do amigo Gilmar Mendes.
134 SUSPEITOS – O problema se arrasta desde 2018, quando a Receita Federal criou a Equipe Especial de Programação de Combate a Fraudes Tributárias (EEP Fraude), com objetivo de investigar dados fiscais, tributários e bancários de agentes públicos ou pessoas relacionadas a eles, como parentes, sócios e empregados.
Foram relacionados cerca de 800 mil nomes. Depois de várias triagens com critérios predefinidos, o grupo chegou a apenas 134 nomes. Da relação dessa malha fina constam Gilmar Mendes, sua mulher Guiomar Feitosa Mendes, a mulher de Toffoli, Roberta Maria Rangel, e ainda Blairo Maggi, ex-senador e ex-ministro da Agricultura no governo Temer, o desembargador Luiz Zveiter, do Tribunal do Rio, a ministra Adriana Galotti, do Superior Tribunal de Justiça, e Marcelo Ribeiro, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral.
OS CRITÉRIOS – Para fazer a apuração, que é rotineira nos padrões internacionais, o grupo da Receita usou critérios de patrimônio superior a R$ 5 milhões, com aumento patrimonial maior que R$ 500 mil no ano anterior, movimentação em espécie superior a R$ 500 mil ou valor de rendimento isento acima de R$ 500 mil.
Na apuração relativa a Gilmar Mendes, o auditor apontou no relatório supostos crimes de “corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência por parte do ministro e familiares”. O procedimento alcançou ainda a advogada Guiomar Feitosa Mendes, mulher do ministro, por “indícios de lavagem de dinheiro, tendo recebido valores, distribuição de lucros/dividendos em sua Declaração de Imposto de Renda de pessoa física sem a devida correspondência na Escrituração Contábil Fiscal do escritório de advocacia”.
NOVA GESTAPO – Gilmar Mendes reagiu, acusando a Receita de ter se transformado em uma nova “Gestapo”, polícia política de Adolf Hitler. E enviou um ofício a Dias Toffoli, que à época já havia assumido a presidência do Supremo, no qual acusou servidores do Fisco de ‘abuso de poder’ e exigiu investigação pelo próprio STF.
Diante dessa realidade, tanto Toffoli quanto Gilmar deveriam se declarar suspeitos e não participar do julgamento, na forma da lei. Mesmo assim, o ministro Dias Toffoli aceitou ser relator e foi o primeiro a declarar seu voto. E seu amigo Gilmar Mendes logo fará o mesmo, como penúltimo a votar, pela ordem de antiguidade.
DIZ TOFFOLI – De acordo com o voto do presidente Toffoli, a Receita Federal jamais poderia encaminhar ao Ministério Público ou à Polícia Federal documentos na íntegra, como extratos bancários e declarações de Imposto de Renda, porque, no entendimento dele, o compartilhamento desse tipo de informação requer autorização judicial, exigência que não existe nos países que assinaram os tratados internacionais contra corrupção e lavagem de dinheiro, entre os quais o Brasil.
Em tradução simultânea, o que Toffoli pretende está bem claro. Pretende blindar, de uma forma genérica, todos os contribuintes, entre os quais ele próprio se inclui, já que até 2018 recebia mesada de R$ 100 mil da própria mulher, sem pagar imposto, e deve ser investigado a esse respeito.
Carlos Newton