Opinião

“Não confundirás liberdade com delinquência ” devia ser jurisprudência de todos os tribunais

(Conrado Hubner Mendes) – A retórica bolsonarista induz equivalência onde há diferença, e diferença onde há equivalência. Também invoca liberdade onde há delinquência, e aponta delinquência onde há liberdade. E o faz por meio de verve histriônica que estimula pânico moral, atrofia a reflexão e forja inimigos imaginários. Ataca o fígado, polui o pensamento.

Essa confusão essencial do projeto de dominação autoritária interdita a civilidade e deixa a esfera pública estupidificada para fazer juízos objetivos sobre fatos e normas. Já a esfera escura do Telegram, testando os limites da lei e da autoridade judicial, vem com sangue nos olhos e pistola nas mãos.

MUITOS EXEMPLOS – A tentativa de obter lucro político com o desgoverno conceitual tem muitos exemplos. O campo da liberdade de expressão é o mais fértil.

Já se ouviu que Daniel Silveira teria liberdade de expressão para ameaçar de morte ministros do STF e incitar ataques ao tribunal porque, afinal, Felipe Neto teve tal liberdade para criticar o presidente. Se um foi preso, por que o outro não foi?

A mesma confusão ocorre quando se tenta induzir equivalência entre ordem judicial de suspensão do Telegram, empresa que por um ano ignorou decisões do STF e se recusou a cooperar na investigação de atividades criminosas facilitadas na rede; e a ordem de ministro da Justiça para suspender filme escrito por Danilo Gentili em que um personagem malvado, interpretado por Fábio Porchat, fazia insinuações sobre pedofilia.

O CASO DO REITOR – Esse esfumaçamento de distinções se espalha para campos inesperados. Até ex-reitor da USP já caiu no vórtice de falsas equivalências. Diante da pressão para indeferir tentativa de intimidação contra docente da universidade, publicou nota genérica onde dizia que professores “às vezes emitem opiniões contraditórias e até discutíveis”. Mas assegurou: “Defenderei o direito de externarem suas opiniões, mesmo que, com elas, não concorde”.

Sofriam processos éticos na universidade um negacionista climático, um negacionista pandêmico que desenhou com Bolsonaro o gabinete paralelo da saúde, e um professor de direito que criticou PGR em coluna de jornal.

O então reitor tratou tudo como “opiniões pessoais de docentes que resultaram em grande polêmica”. Não se permitiu distinguir crítica baseada em fatos e argumento jurídico, de um lado, e corrupção da ciência, de outro. Seria importante.